Pesquisa internacional realizada em dez cidades relaciona
exposição a material particulado fino a custos econômicos e impactos na saúde.
Em São Paulo, o motorista inalou 35% do total de partículas do trajeto de uma
hora em apenas oito minutos (foto: Agência Brasil/arquivo)
Estudo internacional realizado em dez cidades,
incluindo São Paulo, revela que um período relativamente curto em locais de
alta concentração de poluição é o suficiente para expor motoristas e
passageiros de carros a doses significativas de partículas inaláveis finas –
aquelas que, por ter diâmetro menor do que 2,5 milionésimos de metro (MP2,5),
conseguem chegar aos alvéolos pulmonares e causar ainda mais danos ao
organismo. Segundo o estudo, portanto, passar pouco tempo em áreas de
engarrafamento já pode ter impacto prejudicial na saúde.
As cidades
com maior relação entre tempo de exposição e inalação de poluentes foram
Guangzhou, na China, e Adis Abeba, na Etiópia. Esses motoristas e passageiros
ficaram em áreas de alta concentração de MP2,5 menos de um terço do tempo da
rota (26% e 28%, respectivamente), mas inalaram mais da metade (54% e 56%) da
quantidade total de partículas finas inaladas durante toda a viagem. No caso de
São Paulo, em 17% do tempo de rota – aproximadamente oito minutos –, o
motorista inalou 35% do total no trajeto.
A exposição a essas partículas finas,
também chamadas de aerossol, está entre os dez principais fatores ambientais de
risco à saúde, segundo o Global Burden of Disease 2019.
No estudo, observou-se que as cidades onde as pessoas foram expostas nos carros
a níveis mais altos desses aerossóis registraram as maiores taxas de
mortalidade por 100 mil passageiros de veículos por ano.
Dar-es-Salaam
(Tanzânia), Blantyre (Malawi) e Daca (Bangladesh) apresentaram as mais altas
taxas de mortalidade (respectivamente: 2,46 óbitos por 100 mil passageiros de
carro ao ano; 1,11 e 1,10). Já os menores índices foram detectados em São
Paulo, em Medellín (Colômbia) e em Suleimânia (Iraque) – respectivamente: 0,10
morte por 100 mil passageiros de carro ao ano; 0,07 e 0,02.
A
distância das rotas variou entre 10 km e 33 km, mas, em cada uma das cidades, o
pesquisador utilizou sempre o mesmo trajeto e o mesmo veículo. No caso de São
Paulo, a rota foi de 12,7 km (cerca de uma hora para ser concluída fora do
horário de pico), saindo da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São
Paulo (USP), passando pelo Parque do Ibirapuera e pelas avenidas 23 de Maio e
Paulista.
No
trabalho, os pesquisadores analisaram um conjunto de dados de concentrações de
PM2,5 medidas durante o trajeto para avaliar a relação entre o excesso de
poluentes e condições de tráfego, preços de combustível, problemas de saúde e
perdas econômicas.
Nesse
caso, constatou-se que, entre os locais pesquisados, quanto mais baixo o
Produto Interno Bruto (PIB) da cidade maior foi a perda econômica,
principalmente em decorrência dos encargos com a saúde. Dar-es-Salaam aparece
também entre as maiores perdas do PIB, seguida do Cairo (US$ 10,2 milhões e US$
8,9 milhões ao ano, respectivamente). O trabalho incluiu ainda dados sobre a
cidade de Chennai (Índia).
A pesquisa foi desenvolvida no âmbito
do projeto Clean Air Engineering for Cities (CArE-Cities),
da Universidade de Surrey (Reino Unido), e os resultados foram publicados na
revista Environment International.
No Brasil, teve a participação da
professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG)
da USP Maria de Fátima Andrade,
que é parceira colaboradora do CArE-Cities, da doutoranda Veronika Sassen Brand e
de Thiago Nogueira. Recebeu
apoio da FAPESP por meio de três projetos (16/18438-0, 16/14501-0 e 20/08505-8).
“Ao
estudar a exposição a aerossóis no carro em várias cidades diferentes, medidas
eficazes de mitigação da poluição do ar e orientações de melhores práticas
podem ser desenvolvidas, incluindo o uso de ônibus elétricos, de ações voltadas
ao transporte público e para a mobilidade urbana”, escrevem os autores no
artigo, que teve a coordenação-geral do professor Prashant Kumar,
diretor-fundador do Centro Global de Pesquisa do Ar Limpo (GCARE) de Surrey.
O trabalho
cita a necessidade de dar atenção a estratégias de mitigação que atendam aos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações
Unidas, entre eles boa saúde (ODS 3), energia limpa (ODS 7) e cidades
sustentáveis (ODS 11).
“Identificando locais de maior
tráfego e poluição é possível desenvolver políticas públicas dirigidas e mais
eficientes para melhorar a qualidade do ar nessas áreas”, acrescenta Brand, em
entrevista à Agência FAPESP.
No
relatório “Cidades Mundiais 2020”, o Programa das Nações Unidas para os
Assentamentos Humanos (UN-Habitat), ao citar epicentros da COVID-19, afirma que
“centros urbanos bem planejados, administrados e financiados ajudam a construir
cidades resilientes, com capacidade de se recuperar dos impactos devastadores
de pandemias, melhorar a qualidade de vida dos moradores e alavancar a luta
contra pobreza, a desigualdade e as mudanças climáticas”.
Nesse contexto, a qualidade do ar
desempenha importante papel. Mesmo com a pandemia, que reduziu as atividades
econômicas e deslocamentos em 2020, a poluição por PM2,5 foi apontada como
responsável por cerca de 160 mil mortes nas cinco capitais mais populosas do
mundo, de acordo com ferramenta desenvolvida
pelo Greenpeace e IQAir. A maior estimativa é de Nova Déli, na Índia, com 54
mil mortes. São Paulo e Cidade do México aparecem com os menores números – 15
mil óbitos estimados em cada uma delas.
Metodologia
Para analisar os hotspots nas dez cidades (locais com mais
engarrafamento), o estudo internacional levou em consideração correlações
socioeconômicas, o impacto dos preços dos combustíveis nos níveis de exposição
à poluição e os custos econômicos. Os dados foram coletados em 2019.
Foi
utilizado um contador de partículas a laser portátil (Dylos OPCs) no banco de
trás de um carro de passageiros, que fazia a coleta por minuto, com três
configurações para as janelas: abertas, fechadas com ventilador e fechadas
com recirculação de ar. As amostras foram coletadas três vezes ao dia: pico da
manhã, pico da tarde e fora do pico. A análise descrita no artigo
centrou-se nos dados coletados com as janelas abertas, configuração em que
foram registradas as concentrações mais altas de poluentes.
Para
garantir o controle da qualidade e da harmonização dos dados, o grupo fez
medições de intercomparação ao longo de cinco dias, período em que todos os
equipamentos de aerossol foram comparados com um espectrômetro portátil de
partículas ópticas (modelo GRIMM 11-C).
Ao
analisar o efeito da variação de preços dos combustíveis nas concentrações de
poluição em cada uma das cidades, computou-se informações como: parâmetros de
congestionamento específicos de cada localidade, velocidades médias do
trânsito, tamanho da população e número de carros por habitante.
Nenhuma
correlação significativa foi encontrada entre o custo do combustível e a
exposição a PM2,5 no carro, indicando que o controle de preços não deve ser
considerado como uma política única na mitigação da poluição do ar.
Já para avaliar as perdas econômicas,
a metodologia incluiu dados de concentração de aerossóis, taxas de mortalidade
de linha de base, tamanho da população de passageiros de automóveis e o valor
da vida estatística (VSL, sigla em inglês para Value of
Statistical Life).
Monitoramento
Para a
professora Maria de Fátima Andrade, um dos pontos inovadores do estudo foi
medir a exposição à poluição dentro dos veículos e trazer à luz dados de
algumas metrópoles superpopulosas que dispõem de poucas informações, como na
África.
“Em geral,
os países com piores políticas de controle de emissão acabam não dispondo de
dados que considerem as várias fontes de poluição. Medir a exposição dentro do
transporte, associando ao tempo e impactos econômicos, é importante”, afirma
Andrade.
Em São Paulo, a Cetesb divulga
diariamente boletins com a qualidade do ar por tipo de poluente e região da
cidade. Esse índice é uma ferramenta
matemática, que contempla os seguintes parâmetros: partículas inaláveis (MP10);
partículas inaláveis finas (MP2,5); fumaça (FMC); ozônio (O3); monóxido de
carbono (CO); dióxido de nitrogênio (NO2) e de enxofre (SO2).
Dependendo
do índice obtido, o ar recebe uma nota (de boa a péssima), identificada por
cores. Para as partículas inaláveis finas, o índice varia de 0 a 25 µg/m3 por
24 horas para estar na qualidade boa. Maior que 125 µg/m3 por 24h, a nota é
péssima.
O artigo Potential health risks due to in-car aerosol exposure across ten
global cities pode ser lido em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0160412021003135.
Luciana Constantino
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/periodo-curto-em-engarrafamento-ja-expoe-motorista-a-altas-doses-de-poluicao-indica-estudo/36652/