Mais de 10 milhões
de mulheres no país assumem sozinhas a criação e o sustento de suas famílias;
Psicóloga perinatal explica como sobrecarga mental afeta saúde das mães solo Crédito: Drazen Zigic
Mais da metade dos lares brasileiros são chefiados
por mulheres, segundo dados do Censo 2022 do IBGE. Entre essas famílias, mais
de 10 milhões de mulheres no Brasil são mães solo, e assumem sozinhas a
responsabilidade de prover e cuidar dos filhos. Para essas mulheres, a rotina
une múltiplas jornadas que levam ao esgotamento físico e mental.
Micaelly Gomes, 26 anos, é uma dessas mulheres. Mãe
de duas crianças, ela trabalha em três empregos para manter o sustento da
família. Sua rotina começa cedo e termina tarde: sai de um trabalho e já parte
para o próximo, e quando chega em casa, sua jornada continua com as demandas
dos filhos. “Eu faço comida, vejo se fizeram a lição, coloco para dormir. Às vezes,
me sinto tão exausta que penso: será que vou aguentar?”.
Recentemente, uma situação na escola de sua filha a
fez refletir sobre o impacto da sua ausência. “A professora me disse que
minha filha comentou que ‘a mãe nunca está em casa porque sempre está
trabalhando’. Uma vez, ela chegou a dizer que eu não a amava, porque nunca
consigo ficar com eles. Isso me quebrou, porque eu corro para dar o melhor, mas
deixo faltar o principal: o tempo com eles". Micaelly também
ressalta que o esgotamento físico e psicológico tem sido constante. “É muito
difícil ser mãe solo, tenho que ser o pilar da casa, mas estou cansada”,
desabafa.
Outra mãe solo, de 49 anos, cuida sozinha de três
filhas adolescentes e descreve a pressão emocional, mas preferiu não se
identificar. Após uma separação difícil, ela trabalha em dois empregos para
sustentar a casa e diz sentir que as demandas de trabalho e cuidado com as
filhas frequentemente superam suas forças. “Eu nunca consigo proporcionar momentos simples
para elas, como um passeio em família. A falta de tempo e de recursos pesa
demais". Além disso, a saúde mental dela e das filhas foi
impactada pela ausência de apoio e pela rotina de sobrecarga: “Eu e minha
filha mais velha fomos diagnosticadas com depressão, e isso só piora sem uma
rede de apoio", conta.
A carga invisível e a culpa
constante
Para a psicóloga perinatal Rafaela Schiavo, fundadora
do Instituto MaterOnline, o cenário das mães solo no Brasil revela a sobrecarga
invisível, que pode provocar ciclo de culpa. “Essas mulheres estão tentando equilibrar sozinhas
o sustento e o cuidado dos filhos, e a falta de uma rede de apoio agrava ainda
mais esse peso emocional. A culpa é frequente, pois elas se cobram intensamente
por não conseguirem dar conta de tudo”. Ainda segundo a psicóloga,
muitas mães sentem que, mesmo se esforçando ao máximo, estão falhando, o que
leva a um desgaste mental profundo.
A culpa materna, como aponta Schiavo, se
intensifica pela pressão social, autocrítica e pela percepção de que deveriam
ser capazes de estar presentes e disponíveis o tempo todo para os filhos, mesmo
diante de uma rotina exaustiva. “Elas se cobram para oferecer o melhor para os
filhos, mas, em muitos casos, acabam se privando de qualquer momento para si
mesmas. Esse acúmulo de responsabilidades, sem pausas e sem apoio, pode levar
ao esgotamento emocional e físico”, observa.
Além da pressão financeira, as mães solo assumem
integralmente o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos — tarefas sem
remuneração e frequentemente invisíveis. Para Rafaela Schiavo, a ausência de
políticas públicas de apoio acentua essa vulnerabilidade. "O
cuidado com os filhos é essencial, mas quando esse trabalho recai integralmente
sobre as mães, sem suporte, o impacto sobre a saúde mental delas se torna
inevitável”.
Dicas para enfrentar a
sobrecarga
Para ajudar mães solo a lidar com os desafios da
sobrecarga, a psicóloga Rafaela Schiavo oferece algumas recomendações:
- Construa
uma rede de apoio: Mesmo sem um parceiro,
buscar o suporte de familiares, amigos ou vizinhos de confiança pode
aliviar parte da pressão;
- Separe
momentos para autocuidado: Mesmo breves, esses momentos ajudam a
preservar a saúde mental. O autocuidado pode incluir pequenas pausas no
dia, algo que devolva energia;
- Converse
com outras mães: Trocar experiências com outras mães solo pode ajudar a aliviar o
peso emocional e fortalecer a sensação de pertencimento;
- Busque
apoio psicológico perinatal: Quando o estresse se torna difícil de
manejar, o acompanhamento profissional é fundamental para auxiliar a
manter o equilíbrio.
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