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quinta-feira, 14 de junho de 2018

Os deveres dos pais têm limites


Há alguns dias, a imprensa brasileira noticiou um caso ocorrido nos Estados Unidos e que causou certa perplexidade. Trata-se da situação de um casal residente no estado de Nova York que requereu judicialmente que o filho de 30 anos deixasse a casa.

O filho, há oito anos, voltou a morar com os pais em razão de ter ficado desempregado, mas não os ajudava nas despesas familiares e sequer colaborava nas tarefas do lar. Após várias notificações para que o filho deixasse a casa, diante da recusa, os genitores fizeram o pedido judicialmente e tiveram decisão favorável. 

Um igual caso, se ocorrido no Brasil, deveria ter a mesma solução. O dever dos pais de sustento, guarda e educação dos filhos vai até o final da menoridade destes, que se dá aos 18 anos. Ao completar essa idade, as pessoas se tornam, no aspecto legal, plenamente capazes para exercerem os atos da vida civil e, consequentemente, não mais se sujeitam ao poder familiar.

O limite de 18 anos vem sendo flexibilizado judicialmente, alcançando até os 24 anos para filhos que prossigam nos estudos em nível universitário ou curso técnico. A explicação é que, dando continuidade ao processo de educação escolar, o jovem adia o momento de ingressar no mercado de trabalho para fazê-lo, posteriormente, em melhores condições e em profissão que exija nível escolar superior, como Medicina, Engenharia e Direito, ou estudo mais pormenorizado, como os cursos técnicos.

Vale ressalvar que é possível que pais sejam condenados a prestar auxílio aos filhos maiores, porém, isso exige a demonstração da efetiva causa da necessidade de ajuda como, por exemplo, na hipótese de doença. O mesmo ocorrerá com os filhos em relação aos pais, o que geralmente ocorre na velhice destes.

Outro aspecto a ser observado é que, sendo os genitores os proprietários ou legítimos possuidores da casa, eles têm o direito de definir quem poderá morar no local. Os filhos não podem exigir ali permanecerem simplesmente por terem vínculo de parentesco.

Assim, uma pessoa adulta e saudável tem obrigação de obter meios próprios de subsistência, não sendo justificável ter suas despesas providas pelos pais.

A iniciativa do casal norte-americano causou estranheza porque, em regra, os pais se prontificam a auxiliar os filhos durante toda a vida, mas isso tem como fundamento o afeto, e não exatamente um dever jurídico. No Direito, nem sempre condutas muito reiteradas na sociedade implicam um dever, a explicação para elas não está na lei, mas sim na natureza humana.




Marco Antonio dos Anjos - professor de Direito Civil na Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Campinas.

Modelos alternativos de trabalho: como garantir resultados em meio à liberdade?


A integração entre trabalho e prazer tem sido uma meta cada vez mais comum entre os profissionais. Nesse sentido, horários flexíveis, home office e ambientes descontraídos tem feito sucesso, atraindo cada vez mais adeptos. Boa parte das empresas com esse tipo de abertura são as já nascidas no século XXI, em especial as ligadas à tecnologia e comunicação.

Ver a empresa como um local para desenvolver projetos e atingir determinados resultados, para muitos, não passa impreterivelmente por um lugar onde se veste roupa social e se fica disponível das 9h às 18h (pelo menos), com uma hora de almoço. 

A nova legislação trabalhista reconhece isso e, por esse motivo, flexibilizou as regras por meio do que batizou como “trabalho intermitente”. Apesar de ainda haver exigências, como carteira assinada, essa nova modalidade de trabalho deve continuar crescendo.

Muito desse estilo depende da atividade principal da empresa. Aquelas cujas entregas não requerem necessariamente atendimento aos clientes durante todo o expediente, costumam se adaptar mais facilmente a um modo flexível nos horários. Com mais liberdade, muitos afirmam conquistar resultados mais expressivos.

Contudo, não podemos achar que empresas que disponibilizam vídeo game, mesa de sinuca e até piscina de bolinha são parques temáticos para adultos. O momento de descontração serve apenas para que as pessoas relaxem por um período e produzam de forma mais assertiva depois.

Ter horários flexíveis ou fazer home office também não significa trabalhar menos tempo. É evidente que quem trabalha de casa não perde horas no deslocamento, o que já te torna um grande ganho, em especial nas grandes cidades. No entanto, a modalidade requer um espaço destinado especialmente ao trabalho e muita disciplina para resistir às tentações que estão sempre ao alcance da mão. 

O fato é que esse tipo de empresa, que permite modelos de trabalho menos convencionais, não determina como métrica que você seja pontual, batendo o seu cartão de ponto religiosamente todos os dias no mesmo horário. Ao contrário, elas avaliam a competência de seus colaboradores pelo nível de entrega. Ou seja, quem não fizer muito bem a sua parte, certamente não deve permanecer por muito tempo. 

Algumas são direcionadas aos indicadores mais financeiros, como número de clientes, faturamento, lucro. Tanto é que, em alguns casos, oferecem remuneração meritocrática, de acordo com os resultados numéricos. Já outras, elencam a produtividade como métrica, estabelecendo um terminado tempo para cada projeto e avaliando a qualidade dele.

Em todos os casos, o nível de exigência na entrega e nos resultados gerados a partir do trabalho são grandes. E, muitas vezes isso quer dizer até mais horas de trabalho. A grande diferença está no fato de que quem tem essa possibilidade, pode resolver coisas pessoais em horário comercial mesmo que tenha que varar a madrugada para concluir suas tarefas. 

Em suma, esse tipo de trabalho demanda não apenas que a empresa seja flexível, tendo atividades que se adequem a essa alternativa, mas principalmente que o colaborador tenha perfil para ser o gestor do próprio tempo. A liberdade e a flexibilidade jamais poderão servir de desculpas para projetos não entregues ou mal feitos, e muito menos para resultados e metas não alcançadas. Cabe colocar tudo na balança e ponderar.




Marcos Guglielmi - treinador de empresários, empresário e sócio fundador da ActionCOACH São Paulo.

Foro privilegiado: o monstro cresceu!


No último dia 12 de junho, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu enviar à primeira instância da Justiça de Mato Grosso um inquérito contra o ministro Blairo Maggi (Agricultura, Pecuária e Abastecimento) ao reconhecer que o foro por prerrogativa de função somente alcança os supostos fatos criminosos praticados no exercício da função.

Acusado de participar de esquema de compra de vaga no Tribunal de Contas de Mato Grosso em 2009, quando era governador do estado, o Ministro Maggi foi denunciado por corrupção no início de maio pela Procuradoria-Geral da República.

O Ministro Luiz Fux, relator do caso, asseverou que “a razão de decidir do julgamento [AP 937] se aplica indistintamente em relação a qualquer hipótese de prerrogativa de função”. Ele foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio e Rosa Weber.

Extrai-se claramente do excerto acima transcrito que todos os ocupantes de cargos que tenham prerrogativa de foro estão sujeitos ao regramento fixado na decisão proferida na Ação Penal (AP) 937, que tinha como pano de fundo Deputados Federais e Senadores.

A decisão da primeira turma demonstra uma tendência perigosa e irreversível do Supremo Tribunal Federal, que novamente sinaliza pelo sim do foro por prerrogativa de funções para os crimes não atrelados a função que estão a exercer.

Para acabar com essa celeuma toda o Supremo, que possui uma composição pródiga no exercício do famigerado e perigoso ativismos, deveria discutir e colocar em votação as duas propostas de Súmulas Vinculantes sugerida pelo Ministro Toffoli.

A primeira proposta aplica a decisão do STF a todas as prerrogativas de foro para membros de todos os poderes e do Ministério Público e diz que ela só se aplica aos casos de "crimes cometidos no exercício e em razão do cargo ou da função pública". Os demais casos ficariam a cargo da primeira instância. O segundo verbete declara inconstitucionais quaisquer regras de constituições estaduais que tratem de prerrogativas de foro não previstas na Constituição Federal.

Supondo que os verbetes fossem aprovados, e em um exercício hipotético, vamos imaginar que o Ministro Barroso cometesse um crime doloso não atrelado a sua condição de magistrado da Suprema Corte. Quem o julgaria seria um juiz de primeira instância do local do suposto crime. Não há como fugir da seguinte indagação: Estará o magistrado psicologicamente preparado para julgar e eventualmente condenar um Ministro do STF? Ministro este que pode julgá-lo, administrativamente, na condição de integrante no Conselho Nacional de Justiça podendo impor-lhe a pena de demissão?

Novamente a força midiática comanda a vontade do STF que pressionado reinterpreta indevidamente a Constituição Federal. Está se criando a falsa ideia no imaginário popular que a prerrogativa de foro é um privilégio conferido ao ocupante do cargo, que leva inevitavelmente à impunidade. Uma mentira que não pode ser compactuada pelos operadores do direito.

Uma questão que merece ser novamente levantada. Estão as varas criminais federais e estaduais preparadas para receber essa enormidade de processos de uma só vez? Tal decisão não estaria gerando um retrocesso na impunidade ao invés de um progresso? Corremos o risco de uma enxurrada de prescrições, gerando mais impunidade. Saindo, dessa forma, o tiro pela culatra. Não teria sido melhor deixar o monstro quietinho?





Marcelo Gurjão Aith - especialista em Direito Público e Criminal

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