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quarta-feira, 19 de março de 2025

Efeito Cinderela: o poder das redes sociais no consumo e no endividamento feminino

O bombardeio de ofertas, a pressão estética e o marketing agressivo nas redes sociais impulsionam compras impulsivas e agravam a dívida das mulheres no cartão de crédito

 

O consumo impulsionado pelas redes sociais, o papel dos influenciadores digitais na criação de desejos, a facilidade das compras pelo celular e a pressão estética estão levando ao crescimento do endividamento feminino no cartão de crédito.

Nos últimos cinco anos, a dívida das mulheres no cartão de crédito ultrapassou a dos homens, segundo um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Esse dado levanta um alerta: o que está por trás desse fenômeno? Se fatores como desigualdade salarial já são conhecidos, um novo elemento se destaca como agravante: o assédio digital exercido por influenciadores e a publicidade agressiva nas redes sociais, que impactam tanto os gastos quanto o emocional das mulheres.

“As mulheres sempre desempenharam um papel fundamental na administração financeira das famílias. No entanto, as principais contas domésticas como aluguel, plano de saúde, escola e condomínio são despesas raramente pagas via cartão de crédito. Então, qual é a origem da dívida feminina?”, questiona Renata Abalém, advogada, Diretora Jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC) e Diretora da Câmara de Comércio Brasil-Líbano, membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP.

As despesas no cartão costumam estar ligadas a compras do dia a dia, como farmácia, supermercado e lazer. No entanto, nos últimos anos, houve um aumento expressivo no endividamento em itens considerados fora dessa lista, diz a especialista.

“O consumo de produtos de beleza, procedimentos estéticos e moda são impulsionados por um forte apelo digital. Esse fenômeno está diretamente relacionado à explosão de influenciadores digitais e à facilidade de compra via redes sociais, porque as contas básicas, a gente não paga no cartão, tampouco as contas dos serviços essenciais”, analisa Renata Abalém.

 

Assédio digital e a influência na decisão de compra

As estatísticas mostram o impacto avassalador das redes sociais no consumo. Cerca de 80% dos consumidores afirmam confiar nas recomendações dos influenciadores, e 61% dizem ter realizado uma compra baseada em uma dessas indicações nos últimos seis meses. 

Além disso, 64% descobrem novos produtos por meio de criadores de conteúdo diariamente ou semanalmente. Os dados são de um estudo realizado pela Rakuten Advertising, rede global de marketing de performance, evidenciando a força da influência digital nas decisões de compra.

Outro estudo, feito pela Universidade de Portsmouth, no Reino Unido, intitulado “The Dark Side of Social Media Influencers” (O Lado Obscuro dos Influenciadores de Mídia Social), trouxe à tona uma discussão sobre o papel dos influenciadores digitais no marketing e no comportamento do consumidor. A pesquisa aponta que a constante exposição a conteúdos patrocinados e a promoção de estilos de vida idealizados podem levar a sentimentos de inadequação, ansiedade e até mesmo endividamento entre os seguidores.

“Muitas mulheres sonham em viver o conto de fadas da Cinderela, e as redes sociais se tornaram a fada madrinha moderna, transformando desejos em compras instantâneas. Mas, ao contrário da história, nesse enredo o preço do encanto vem na fatura do cartão de crédito – e sem mágica para quitar a dívida”, analisa Renata Abalém.

 

Confiança

Além disso, o levantamento da Rakuten Advertising revelou que 60% dos consumidores confiam nas recomendações de influenciadores, sendo que quase metade de todas as decisões de compra são influenciadas por esses endossos. Com o marketing de influência projetado para atingir cerca de US$ 480 bilhões até 2027, segundo relatório do banco Goldman Sachs, as marcas dependem cada vez mais dos influencers para promover produtos e reforçar a confiança do consumidor.

“Hoje, é possível comprar diretamente pelas redes sociais, sem precisar sair da plataforma. Esse modelo de negócios, aliado à estratégia de influenciadores que promovem produtos de forma persuasiva, cria um ambiente de consumo incessante. Mulheres são bombardeadas com anúncios que prometem bem-estar, autoestima e status, muitas vezes levando ao endividamento por compras impulsivas”, alerta Abalém.

Os números reforçam essa tendência: 74% dos consumidores consideram conveniente comprar diretamente por um link de influenciador. Além disso, 83% dos brasileiros já fizeram compras acima de R$ 100 com base nessas recomendações, e os vídeos curtos são a preferência de 55% para consumir conteúdos sobre produtos e serviços.

Esses dados mostram como o formato dinâmico e instantâneo das redes sociais molda os hábitos de consumo. “As mulheres sentem-se pressionadas o tempo todo nas redes sociais para estarem bem-vestidas, estarem bonitas. A gente vê o aumento significativo do gasto do público feminino com procedimento estético, por exemplo. Tudo isso eu acredito que esteja relacionado ao endividamento feminino no cartão de crédito sim”, reforça Renata Abalém.

 

O desafio de equilibrar finanças e consumo

Esse cenário reforça a necessidade de discutir educação financeira e a regulação da publicidade digital. Assim como a "pink tax" – que expõe como produtos femininos são sistematicamente mais caros que os masculinos –, o endividamento feminino precisa ser analisado sob a ótica das pressões sociais e econômicas que recaem sobre as mulheres. 

“É fundamental discutir estratégias de conscientização financeira e criar mecanismos de proteção contra o marketing predatório. Enquanto as mulheres forem as principais responsáveis pelas finanças familiares e, ao mesmo tempo, alvos preferenciais do consumo impulsionado digitalmente, o endividamento continuará a crescer, reforçando desigualdades econômicas e sociais”, conclui Renata Abalém.

 



Fonte:
Renata Abalém - advogada, Diretora Juridica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte- IDC, Diretora da Câmara de Comércio Brasil Líbano, membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP


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