Espécies são extintas antes mesmo de serem identificadas no solo, que abriga 59% da biodiversidade do planeta. ONU implementa o Observatório Global da Biodiversidade do Solo, com a participação de brasileiros.
Novos estudos apontam que cerca de 10 bilhões de espécies
habitam o interior e a superfície do solo, o que representa aproximadamente 59%
do total de espécies no planeta. Apenas cerca de 1% das espécies que habita
esse imenso ecossistema foi identificada e estamos perdendo espécies que nem
sequer conhecemos, ressalta a Bióloga Cintia Carla Niva, doutora pela
Universidade de Kobe, no Japão, e pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves.
O crescimento da população mundial, que requer a expansão da
produção de alimentos, e as mudanças climáticas contribuem para a degradação
crescente do solo, que é um recurso não renovável. Em resposta, a Organização
das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU) lançou em 2022
na 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP15)
o Observatório Global da Biodiversidade do Solo (Glosob), que está em processo
de implantação.
Como forma de prover base teórica para a estruturação do
Glosob, a FAO estimulou o levantamento sobre o conhecimento da biodiversidade
do solo no mundo, que foi realizado em projeto liderado pelo pesquisador George
Brown, da Embrapa Florestas.
Cintia Niva é a primeira autora de um dos artigos da série
que apresenta os resultados, intitulado "Worldwide knowledge distribution
on soil invertebrate macrofauna and bioturbating vertebrates: an analysis using
data science tools”, que será publicado na revista científica Soil Organisms.
O Glosob tem como objetivo desenvolver indicadores padronizados
para melhorar a capacidade de monitoramento do solo pelos países. As
prioridades são criar métodos padronizados, integrar a biodiversidade nas
pesquisas sobre o solo, capacitar mão de obra, aumentar a conscientização de
organizações que trabalham com o solo e melhorar a interação entre as políticas
públicas.
“Fomos procurados pela FAO para fazer um levantamento sobre
o que se conhece da biodiversidade do solo. Os artigos estão para sair. A FAO
quer incentivar o monitoramento da biodiversidade do solo no mundo inteiro,
porque está preocupada com a produção sustentável de alimentos”, destaca a
Bióloga.
Biota do solo
Cintia Niva afirma que o conhecimento sobre as espécies e
interações que ocorrem no solo ainda é bastante limitado, mas há um interesse
crescente da comunidade científica sobre o tema. Com o aprofundamento dos
estudos, os pesquisadores compreenderam a importância da biota para a
fertilidade do solo, que antes era associada principalmente a aspectos
químicos.
O ecossistema do solo é muito complexo, ressalta a Bióloga,
e composto por duas partes: o interior do solo propriamente dito e a sua
superfície. As duas partes interagem e uma depende da outra. O solo é onde a
vida começa e termina.
A biota do solo é composta pelos estimados dez bilhões de
espécies de animais vertebrados e invertebrados, fungos e bactérias. As raízes
das plantas também são consideradas integrantes da biota. Parte desses seres
vive apenas dentro do solo, outra parte só na superfície e há espécies que
habitam o interior e superfície.
Nesse último grupo, há seres que transitam entre o interior
e o exterior, como parte das espécies de minhocas. E há outros que passam o
ciclo inicial de vida dentro do solo como larvas e ganham o exterior quando
adultos, como as cigarras e algumas espécies de besouros.
Cintia Niva explica que a maior parte da vida está
concentrada na camada mais superficial do solo, a uma profundidade de até cinco
centímetros principalmente, chegando a até 30 centímetros ou pouco mais, de
acordo com as características do local. Pode-se dizer que essa é a camada
orgânica do solo, em contrapartida à camada mineral, que fica a profundidades
maiores.
“A gente pode dizer que a fertilidade do solo é a
disponibilidade de nutrientes para as plantas crescerem. Mas de onde vêm esses
nutrientes? Em boa parte, vêm como resultado da decomposição da matéria
orgânica, plantas e animais que vão se depositando sobre o solo”, conta a
Bióloga.
A decomposição é feita diretamente pelos microrganismos
(fungos e bactérias), mas também por animais vertebrados e invertebrados. Por
exemplo, um animal come parte de um fruto que caiu na superfície do solo e o
fragmenta em partículas menores. Em seguida, ele defeca e deixa sobre o solo o
material orgânico já parcialmente decomposto.
Essa ação facilita o trabalho dos microrganismos. Eles
produzem enzimas que degradam as moléculas do material orgânico em nutrientes,
principalmente carbono e nitrogênio, mas também fósforo, potássio, cálcio,
magnésio, enxofre e outros.
As raízes das plantas contam com estruturas especiais para
absorver os nutrientes que estão no solo. As plantas, da vegetação rasteira a
grandes árvores, usam os nutrientes para a formação das suas estruturas. No
futuro, partes dessas plantas e a sua totalidade vão morrer e cair sobre o
solo, e a matéria orgânica será degradada.
Esse processo é denominado ciclagem de nutrientes. Eles
passam por vários organismos e estados. Compõem a estrutura e metabolismo de
uma planta; quando a planta morre, são degradados e ficam armazenados no solo;
são então absorvidos pelas raízes; e voltam a integrar a estrutura de uma
planta.
Cintia Niva destaca que certos microrganismos mantêm uma
associação com as raízes de determinadas espécies de plantas. É caso das
bactérias fixadoras de nitrogênio, que ajudam algumas raízes a absorverem esse
nutriente disponível no solo.
“Boa parte da produtividade da soja no Brasil vem da
associação com as bactérias fixadoras de nitrogênio, que ajudam no crescimento
das plantas. Isso tem gerado muito progresso na agricultura em relação à soja”,
aponta a Bióloga.
Os animais invertebrados e vertebrados, além de contribuírem
na degradação da matéria orgânica, trabalham na estrutura do solo. Eles ajudam
na infiltração de água e ar, na incorporação da matéria orgânica ao solo e na
regulação da ação de microrganismos. Exemplos desses animais são as minhocas,
besouros, micro minhocas, cupins, formigas, colêmbolos e tatuzinhos, além de
vertebrados como mamíferos, répteis e anfíbios.
“O solo é muito importante na nossa vida. Ele é muito mais do que a superfície onde a gente pisa, onde a gente constrói e vive. O solo vivo é a base para a agricultura e florestas, para a natureza como um todo. A conservação de uma rica rede de seres interagindo no solo garante a sua saúde e, consequentemente, um meio ambiente dinâmico, produtivo e resiliente”, enfatiza Cintia Niva.
Leia mais sobre o solo na nova edição revista O Biólogo (LINK), do Conselho Regional de Biologia da 1ª Região (CRBio-01).
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