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terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Práticas reiteradas: uma análise da aplicação do princípio da segurança jurídica pelo STJ

ButtiniMoraes Advogados alerta sobre a importância da segurança jurídica e da confiança para as decisões empresariais

 

Assim como no ditado “não se pode mudar a regra do jogo enquanto a bola está rolando”, a autoridade tributária deve respeitar os princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e da estabilidade nas relações com os contribuintes, sobretudo ao instituir nova regra jurídica ou, eventualmente, alterar algum entendimento consolidado.

Nesse sentido, o Código Tributário Nacional (“CTN”), em seu art. 100, inciso III, classifica, enquanto normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e decretos, as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas. “O parágrafo único do artigo mencionado institui que a observância destas normas exclui a imposição de penalidades, cobrança de juros de mora e atualização do valor monetário da base de cálculo de tributo que porventura venha a ser exigido”, afirma Ligia Ferreira de Faria, advogada do ButtiniMoraes.

Segundo Ligia, complementarmente, o art. 146, também do CTN, estabelece que qualquer modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução. “Os referidos dispositivos ganham um contorno ainda mais especial quando analisados à luz do princípio da segurança jurídica, um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro”, reforça a advogada.

Neste quesito, a segurança jurídica impõe ao Estado-Tributante que aja de modo a possibilitar minimamente a previsibilidade, a confiabilidade, a estabilidade, a lealdade e a cognoscibilidade do sistema. “O objetivo das restrições constitucionais ao poder de tributar é dar uma nota de previsibilidade e de proteção de expectativas legitimamente constituídas, e que, por isso mesmo, não podem ser frustradas pelo exercício da atividade estatal, ao se referir ao princípio da segurança jurídica”, acrescenta Marcelle Farias Pitta, também advogada do ButtiniMoraes.

Traçando um paralelo com o reconhecimento dos costumes observados pela administração tributária como normas complementares, constata-se que o sistema pátrio admite que as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades fiscais não configuram meras atitudes informais e esporádicas. “Elas consistem em comportamentos efetivamente consistentes e que geram nos contribuintes uma legítima expectativa de estabilidade e previsibilidade, de modo a propiciar a confiança em uma relação cujo caráter já é, por si, verticalizado e díspar, considerando a poderosa prerrogativa de tributar do colossal Estado-Fiscal frente ao contribuinte, parte mais fragilizada”, detalha Ligia.

De acordo com Marcelle, pode-se considerar, desse modo, que o respeito a estes preceitos não se trata apenas de uma questão técnica e legislativa, mas uma tônica da realização da justiça fiscal propriamente dita. A confiança legítima e a observância asseguram um trato de cooperação e mutualidade entre Fisco e Contribuinte, o que não significa, por óbvio, que o sistema deva permanecer imobilizado e estagnado, mas apenas que, ao serem promovidas mudanças abruptas e repentinas, os contribuintes disponham de um tempo razoável para assimilá-las e se adequar às novas regras.

A título de exemplo tem-se a discussão sobre a possibilidade de cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (“ICMS”) sobre valores da tarifa gaúcha denominada Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). A CDE foi instituída no ano de 2002, no entanto, até 2018, jamais havia sido realizada a cobrança do imposto estadual sobre os referidos valores, o que, notadamente, configura uma prática reiteradamente adotada.

Surpreendentemente, a Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2018, intimou diversos contribuintes a confessar a pretensa dívida retroativa, ou seja, convidou as empresas do setor energético a realizar a autorregularização. “Diante dessa intimação, uma empresa (Cooperluz Cooperativa Distribuidora de Energia Fronteira Noroeste) formulou consulta formal perante a Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul para questionar a higidez da cobrança, e obteve resposta no sentido de sua regularidade”, comenta Marcelle.

Com receio de sofrer a tributação supostamente devida nos períodos pretéritos à inovação no entendimento do Fisco gaúcho e nos períodos posteriores, a empresa impetrou Mandado de Segurança pugnando fosse obstada qualquer autuação, com fundamento, justamente, no princípio da não surpresa, e o referido caso chegou ao STJ recentemente.

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou o Agravo em Recurso Especial nº 1.688.160/RS, de Relatoria do Ministro Francisco Falcão, e apreciou a mencionada alteração na postura do Estado do Rio Grande do Sul. Não obstante tenha reconhecido a regularidade da incidência do ICMS sobre a tarifa discutida com efeitos prospectivos, o STJ decidiu que o contribuinte não poderia ser autuado, em relação aos fatos geradores passados, nem mesmo para a cobrança do tributo, uma vez que a inclusão da CDE na base de cálculo do ICMS jamais foi uma prática da administração tributária local. “A questão que se apresentou foi se a ausência de cobrança do ICMS sobre a referida tarifa, durante dezesseis anos, importou em configuração de costume e de prática adotada continuadamente”, argumenta Ligia.

E ao fazer uma interpretação conjunta dos arts. 100 e 146 do Código Tributário Nacional, o STJ entendeu que, tendo havido uma inovação repentina no entendimento do Fisco Estadual do Rio Grande do Sul, os contribuintes necessitariam de um prazo de adaptação, uma vez que restou vislumbrada uma prática reiterada com caráter de norma complementar. Em outras palavras, o STJ reputou prática reiterada a omissão do Fisco gaúcho em realizar a cobrança pretendida.

Para Marcelle, ao reconhecer se tratar de uma norma complementar que pretendia alcançar fatos pretéritos, foram estabelecidas não somente as penalidades, os juros e a correção monetária, mas o próprio tributo em relação aos períodos pretéritos. Isso porque, na esfera tributária, o costume é tão relevante que, mesmo na atividade de lançamento, ele poderia afastar não somente a penalidade, mas também o próprio tributo.

“O precedente reflete a necessidade de respeito à segurança jurídica, à confiança legítima e à estabilidade nas relações entre Fisco e Contribuinte, de tal modo que, ao revisitar os seus entendimentos, a administração tributária deve agir com cautela e transparência, assegurando-se, dessa forma, a previsibilidade e observância ao ordenamento jurídico”, explica Ligia.

Segundo Ligia e Marcelle, o precedente é importante em razão da interpretação feita pelo STJ a respeito dos artigos 100 e 146 do Código Tributário Nacional, ao entender que tais dispositivos () asseguram a segurança jurídica e a confiança, devendo pautar não somente os atos administrativos do lançamento, mas também as decisões proferidas pelos tribunais.


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