Seja
por sobrecarga de trabalho, vulnerabilidade financeira ou pressões e violências
de gênero, as mulheres estão entre as principais vítimas do esgotamento mental
A pandemia de Covid-19 foi uma das piores crises já enfrentadas no século e suas consequências ainda ressoam no cotidiano, mesmo após o fim da emergência sanitária. Para as mulheres, entretanto, que já chegaram em 2020 adoecidas, o problema se apresentou ainda mais profundo. É o que mostra o relatório Esgotadas: o empobrecimento, a sobrecarga de cuidado e o sofrimento psíquico das mulheres, desenvolvido pela ONG Think Olga - que indica que 45% das mulheres brasileiras possuem hoje um diagnóstico de ansiedade, depressão, ou outros tipos de transtornos.
A pesquisa inédita foi realizada com 1.078 mulheres, entre 18 e 65 anos, em todos os estados do país, entre 12 e 26 de maio de 2023. “A saúde mental não deve ser uma discussão limitada por fatores biológicos. Claro que existe influência deles, mas o que o relatório nos mostra é que a perspectiva de gênero e suas interseccionalidades afetam diretamente as relações sociais e, portanto, impactam diretamente no psicológico das mulheres”, explica Maíra Liguori, diretora da Think Olga.
Com a proposta de entender as
estruturas que impõem o sofrimento das brasileiras na atualidade, o relatório
reúne dados que demonstram desde a sobrecarga de trabalho e insegurança
financeira até o esgotamento mental e físico causado pela economia do cuidado,
que enquadra todas as atividades relacionadas aos cuidados com a casa e com
produção e manutenção da vida.
Entre as principais conclusões do relatório:
·
Esgotadas, portanto, adoecidas - 45%
das entrevistadas foram diagnosticadas com algum transtorno mental. A
ansiedade, o estresse e a irritabilidade fazem parte do cotidiano de pelo menos
4 em cada 10 mulheres. As pressões estéticas e as violências
de gênero também cobram seu preço: entre as entrevistadas mais jovens, 26%
declararam que os padrões de beleza impostos impactam negativamente na saúde
mental. Já o medo de sofrer violência é citado por 16% das respondentes;
·
Insatisfeitas - A situação
financeira e capacidade de conciliar os diferentes aspectos da vida têm as
menores notas de satisfação entre as entrevistadas. Em uma classificação de 1 à
10, a vida financeira recebeu a classificação 1.4, já para a capacidade de
conciliação das diferentes áreas da vida, a nota ficou em 2.2.
·
Maior vulnerabilidade e maior
responsabilidade - As mulheres são as únicas ou principais provedoras em 38%
dos lares. Essas mulheres são, em sua maior parte, negras, da classe D e E e
com mais de 55 anos de idade. Somente 11% das entrevistadas dizem
não contribuir financeiramente para a manutenção de suas famílias;
·
Mulheres dedicam o dobro de tempo nas
tarefas de cuidado - Segundo dados da Pesquisa Nacional por amostra de
domicílio realizada em 2022, as mulheres gastam 21,4 horas da semana em tarefas
domésticas e do cuidado, os homens usam 11 horas. Já o relatório
Esgotadas mostrou que a sobrecarga de trabalho doméstico e a jornada excessiva
de trabalho foi a segunda causa de descontentamento mais apontada - atrás
apenas de preocupações financeiras. O trabalho de cuidado sobrecarrega
principalmente as mulheres de 36 a 55 anos (57% cuidam de alguém) e pretas e
pardas (50% cuidam de alguém).
·
Responsabilidade demais adoece - 86%
das mulheres consideram ter muita carga de responsabilidades. A insatisfação
entre mães solo e cuidadoras é muito superior em relação àquelas que não
possuem esse tipo de responsabilidade. As cuidadoras e mães-solo também são as
mais sobrecarregadas com as tarefas domésticas e de cuidado, com 51% das mães e
49% das cuidadoras apontando a situação financeira restrita como o maior
impacto na saúde mental. Isso quer dizer que a sobrecarga de
cuidado também é um fator de empobrecimento das mulheres ou “feminização da
pobreza”.
Diante da
realidade, a Think Olga também traz pontos de partida para que a sociedade
civil, o setor privado e o poder público possam começar a enxergar e a atuar
sobre esses problemas. Para Nana Lima, co-diretora da Think Olga, “é
necessário que comecemos a entender o impacto do trabalho de cuidado e suas
consequências, além de partirmos de discussões que desestigmatizem tabus sobre
a saúde mental. É essencial incentivar ações do setor
privado, da sociedade civil e, principalmente, do setor público para um futuro
viável para as mulheres”, avalia.
O relatório, na íntegra, pode ser
acessado aqui.
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