Fotos de Gabriel Góes |
Montagem dirigida por Rodrigo Spina para A mulher como campo de batalha, de Matéi Visniec, estreia em outubro no Sesc Belenzinho
O uso do estupro como arma na guerra da
Bósnia (1992-1995) - quando entre 20 mil e 44 mil mulheres foram
sistematicamente violentadas pelas forças sérvias – é o ponto de partida de A mulher
como campo de batalha, do celebrado autor romeno Matéi
Visniec. O texto ganhou uma nova montagem dirigida por Rodrigo
Spina e protagonizada por Rita Gullo e Carla Kinzo
que estreia no dia 13 de outubro no Sesc Belenzinho, onde segue em cartaz até
12 de novembro.
Spina conta que entrou em contato com a obra
em 2015, quando montou Aqui Estamos com Milhares de Cães Vindos do Mar (Prêmio
APCA de melhor espetáculo), texto também de Visniéc. “Na época, resolvi ler a
obra inteira dele que tinha sido publicada recentemente pela editora É
Realizações. Esse texto ficou habitando meu imaginário por muito tempo até que
surgiu esta oportunidade de dirigir a Carla Kinzo e a Rita Gullo depois que o
projeto foi contemplado pelo ProAC”, revela.
A peça marca o encontro entre Dorra, que
sofreu abuso sexual por cinco homens durante a guerra da Bósnia, e Kate, uma
terapeuta norte-americana que tenta ajudar a primeira mulher. Ao longo dos
diálogos, a relação entre terapeuta e paciente vai sendo invertida e o público
acompanha a transformação das duas.
A encenação, ainda de acordo com o diretor,
aposta em um cenário minimalista concebido por Carmela Rocha,
composto por uma cadeira, uma câmera transmitindo ao vivo em um telão ao fundo
as reações do olhar de Dorra e uma redoma que sobe e desce, onde são projetadas
imagens de um plano mais onírico e das memórias de Dorra – concebidas pela
cineasta Vera Egito e o artista Kvpa.
“Quando ainda estávamos fazendo as primeiras
leituras da peça, percebi que o destaque maior da encenação está na atuação das
duas atrizes, na relação construída das personagens, em seus silêncios, suas
reações. Durante as leituras do texto, o olhar da Rita, que interpreta a mulher
que sofreu os abusos sexuais, sempre estava atordoado, inerte e eu tive a ideia
de revelar e dar um grande zoom nesse não-olhar misterioso e cheio de dor. Por
isso, apostamos nesse olho gigante que sempre mostra a reação às provocações da
terapeuta, transmitido ao vivo. Como a Dorra está de costas para o público e a
Kate chega quase como uma voz apenas, brincamos também com essa situação da
terapia no divã”, comenta o diretor.
Embora trate de um episódio que aconteceu há
30 anos na Bósnia, o texto dialoga bastante com o nosso contexto brasileiro,
segundo Spina. “Por mais que estejamos falando do Leste Europeu, é
impressionante como conseguimos reconhecer na obra uma situação terrível de
violência parecida com o que vivemos no estabelecimento do nosso sistema
colonial e que se repete até hoje. Dialoga também com o aumento nos casos de
feminicídio nos últimos anos e com o estupro de indígenas Yanomami por
garimpeiros como uma forma de guerra étnica, entre outros tantos casos aqui
mesmo no Brasil”, reflete o encenador.
“A guerra é uma coisa muito masculina.
Falamos sempre de exércitos vencedores, soldados que morreram no conflito e
nunca pensamos na perspectiva das mulheres que são violentadas, que engravidam
por conta desses estupros. Enfim, acho que conseguimos tirar um pouco o
regionalismo específico da guerra da Bósnia para discutir questões um pouco
mais universais enfrentadas pelas mulheres de diversas culturas e classes
sociais, como a questão da violência sexual, do aborto, do que é esperado do
comportamento feminino em relação à gravidez, de saúde feminina. Mas
objetivamos fazer isso tudo isso de forma muito delicada, focando na relação
dessas duas mulheres e suas dores”, acrescenta.
Texto do dramaturgo Matéi Visniec especial para esta montagem brasileira
O mundo como campo de batalha
O
cenário histórico da minha peça é a guerra na Bósnia que terminou, entre 1992 e
1996, no coração da Europa, com cem mil mortes e muitas atrocidades. Mas hoje a
minha peça é, infelizmente, “atual” novamente por causa da guerra na Ucrânia.
No texto falo, aliás, da barbárie em geral, uma barbárie que regressa como um
cometa envenenado cada vez que uma nova guerra irrompe no planeta, cada vez que
os humanos voltam a matar-se uns aos outros cegamente. É com enorme desilusão
que todos vemos que a humanidade não aprende muito com os erros do
passado.
Falo
também, na peça, de algo que afeta toda a humanidade há muito tempo: a loucura
nacionalista, a intolerância, uma certa forma de terrorismo comportamental que
os homens continuam a praticar contra as mulheres. A peça também denuncia a
velha e vergonhosa “estratégia militar” do combatente que quer desferir o golpe
fatal no seu adversário violando a sua esposa (ou a sua filha, a sua irmã e a
sua mãe).
Como
escritor, coloco-me algumas questões que, infelizmente, permanecem muito
atuais: Qual é o mecanismo que transforma pessoas normais em monstros? Como
pode a barbárie manifestar-se repetidamente, no coração da Europa, num espaço
que pensávamos ser “civilizado”? Como pode a propaganda de “gurus” que afirmam
conhecer todas as verdades ainda fazer lavagem cerebral em centenas de milhares
de pessoas?
Não
por acaso as personagens da minha peça são duas mulheres. Quero prestar
homenagem às mulheres em geral, à mulher que sempre foi uma portadora de
esperança cada vez que a humanidade volta a cair nas trevas. As mulheres são
também as primeiras vítimas de todas as guerras... Nas últimas décadas temos
assistido à repetição de “práticas bélicas” que têm as mulheres como alvo
principal, reproduzindo-se na Síria, no Iraque e em muitos países africanos
marcados por conflitos (Ruanda, Sudão, República Democrática do Congo, Mali,
República Centro-Africana, Nigéria).
Sempre
acreditei que o teatro pode conscientizar e desencadear debates importantes. É
por isso que escrevo. A força do teatro reside nessa dimensão social: partilhar
um momento de verdade e um momento de emoção, mas também assumir
responsabilidades, envolver-se num debate.
Obrigado mais uma vez aos diretores
que, no Brasil, consideram que essa peça tem uma dimensão universal e que
merece ser encenada repetidas vezes.
Sobre Matéi Visniec
Muito encenado no Brasil, o celebrado autor e
jornalista Matéi Visniec nasceu na Romênia em 1956 e vivenciou em seu país a
ditadura Nicolae Ceaușescu (1918-1989). Ainda jovem, muda-se para a capital
Bucareste para estudar filosofia. Acreditava que o teatro e a poesia podiam
denunciar a manipulação do povo por meio das grandes ideologias.
Em 1987, é reconhecido em seu país-natal por
sua poesia depurada, lúcida, ácida, mas ainda proibida para o palco. Aos 31
anos, muda-se para a França e, em apenas três anos, começa a escrever em
francês e converte a sua limitação na língua em elemento criativo. Desde então,
escreve poesia e romance em romeno, mas teatro, sempre em francês.
Em suas peças, Visniec é bastante
influenciado pelo surrealismo e pelo teatro do absurdo. Seus textos geralmente
exploram um humor ácido e silêncios. É autor de mais de 30 peças, como “A Máquina
Tchékhov”, “A História do Comunismo Contada aos Doentes Mentais”, “O Espectador
Condenado à Morte”, “Ricardo III Está Cancelada – Ou Cenas da Vida de
Meierhold”, “O Último Godot” e “Por Que Hécuba”.
Ficha Técnica
Direção
Artística - Rodrigo Spina
Assistencia
de Direção - Samantha Rossetti
Dramaturgia
- Matéi Visniec
Elenco -
Rita Gullo e Carla Kinzo
Direção
de Arte - Carmela Rocha
Assistência
de Direção de Arte - Sofia Gava e Gabryella Roque
Iluminação
- Lui Seixas e Rodrigo Spina
Trilha
Sonora - Cadu Tenório
Direção
Audiovisual - Vera Egito e Kvpa
Vídeo
Mapping e operação de Vídeo - Ivan Soares
Identidade
Visual - Alexandre Caetano
Mídias
Sociais - Lucas Horita
Assessoria
de Imprensa - Pombo Correio
Fotógrafo
- Gabriel Góes
Cenotecnia
- Isaac Tiburcio
Operação
de Luz -Matheus Ramos
Operador
de Som - Lucas Fernandes
Voz Off -
Wallyson Mota
Intérprete
de Libras - Fabiano Campos
Produção
Executiva - Marcelo Leão
Direção
de Produção - Anayan Moretto
Serviço
Espetáculo: A Mulher como Campo de Batalha
Direção: Rodrigo Spina
Temporada: 13 de outubro a 12 de novembro
2023
Horários: sexta e sábado, às 21h30, e
domingo, às 18h30
Local: Sala I (120 lugares) – com
acessibilidade.
Ingressos: R$ 30,00 (inteira), R$ 15,00
(meia-entrada) e R$ 10,00 (credencial Sesc)
Duração: 70 minutos.
Classificação: 16 anos.
27
e 28 de outubro: apresentação em Libras
Sesc
Belenzinho
Rua Padre Adelino, 1000. Belenzinho – São
Paulo / SP.
Telefone: (11) 2076-9700 | sescsp.org.br/Belenzinho.
Na rede: @sescbelenzinho.
Estacionamento
De terça a sábado, das 9h às 21h. Domingos e
feriados, das 9h às 18h.
Valores: Credenciados plenos do Sesc: R$ 5,50
a primeira hora e R$ 2,00 por hora adicional. Não credenciados no Sesc: R$
12,00 a primeira hora e R$ 3,00 por hora adicional.
Transporte
Público
Metrô Belém (550m) | Estação Tatuapé
(1400m)
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