Técnica do CEPID BRAINN durante as análises foto: Mário Moreira da Silva/FCM-Unicamp |
Foram analisados mais de 29 mil pacientes e identificadas 26 áreas do genoma ligadas ao distúrbio; Brasil foi o único representante da América Latina por meio do Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia, da Unicamp
Considerado o maior
estudo genético sobre epilepsias do mundo, um trabalho publicado na revista Nature
Genetics revela alterações específicas no DNA que sinalizam maior
risco para o distúrbio cerebral. A identificação dessas alterações permitirá
melhorar o diagnóstico e avançar na possibilidade de novos tratamentos para a
doença.
Os pesquisadores
identificaram 26 áreas (loci) distintas do genoma que estão ligadas à
epilepsia, com 29 genes que provavelmente desempenham um importante papel no
distúrbio. Desse total de genes, 17 foram associados à epilepsia pela primeira
vez; dez estão ligados ao desenvolvimento da doença quando eles sofrem mutação
ou alteração (chamados genes de epilepsia monogênica) e os outros sete são
conhecidos por já terem medicamentos aprovados que atuam com foco no tratamento
de transtornos do espectro do autismo.
A análise dos
subtipos revelou “arquiteturas genéticas” significativamente diferentes entre,
principalmente, dois subtipos de epilepsias – as focais e as generalizadas,
sendo que variações comuns no DNA podem explicar entre 39,6% e 90% do risco
genético para este último tipo.
Coordenada por um
consórcio da Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE,
na sigla em inglês), que envolveu mais de 350 cientistas, a pesquisa comparou
dados de 29.944 pessoas com a doença aos de outros 52.538 indivíduos-controle.
Incluiu casos de epilepsia de ascendência europeia (92%), africana (3%) e
asiática (5%).
O Brasil foi o
único representante da América Latina por meio do Instituto Brasileiro de
Neurociência e Neurotecnologia (BRAINN),
um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“Nós do BRAINN
estivemos envolvidos em todas as etapas do trabalho, desde a caracterização
detalhada dos pacientes do ponto de vista clínico, de imagem, da neurofisiologia
– que temos ótimas condições de fazer – até o planejamento das análises,
sugestões de como poderiam ser realizadas e depois a verificação dos
resultados. Nossa participação foi ativa também na escrita do artigo, submetido
à revista há mais de um ano. Muitos estudos internacionais excluem pacientes do
Brasil porque temos uma diversidade genômica muito grande. Mas, neste trabalho,
foi feita uma metanálise que permite combinar populações com diferentes
estruturas genômicas. Para o futuro, queremos ampliar ainda mais essa
diversidade”, conta à Agência FAPESP Iscia Teresinha Lopes-Cendes,
professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e coautora do artigo
pelo BRAINN.
Estima-se que haja
cerca de 2 milhões de brasileiros com epilepsia, sendo que pelo menos 25% não
estão com a doença controlada, segundo o Ministério da Saúde. No mundo, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que 50 milhões de pessoas são
afetadas pelo distúrbio, sendo um terço resistente aos tratamentos
disponíveis no mercado.
Doença neurológica
altamente hereditária e sem cura, a epilepsia provoca crises convulsivas,
chegando, nos casos mais graves, a 40 ou 50 convulsões por dia, com perda de
sentido e queda. As crises não controladas, além de ter impacto na rotina do
paciente, são um grave risco de morte súbita e prematura.
O tratamento é
feito com uma combinação de medicamentos, que nem sempre é eficaz. A maior
parte das medicações diminui a atividade dos neurônios de forma generalizada,
controlando as crises, mas provoca efeitos colaterais. Uma alternativa é a
cirurgia, em que é retirada a parte do cérebro afetada pela malformação.
Agora, os
pesquisadores estão propondo algumas medicações que normalmente são usadas para
outras situações, mas agem sobre os genes de risco para epilepsia apontados no
estudo.
Conhecimento
ao longo do tempo
Reconhecendo a
complexidade de fatores genéticos e ambientais relacionados à epilepsia, o
consórcio foi formado em 2010 para investigar grandes conjuntos de dados em
colaboração com escala internacional.
“Este é um marco
importante para o Consórcio ILAE sobre Epilepsias Complexas, demonstrando o que
pode ser alcançado quando os cientistas colaboram abertamente e partilham dados
de todo o mundo”, disse a presidente da liga, a professora Helen Cross, em
comunicado à imprensa.
Para chegar aos
resultados que sugerem arquiteturas genéticas diferentes entre as formas focais
e generalizadas de epilepsia, foram combinados dados genéticos a bancos com
informações fenotípicas, aumentando a amostra para mais de 51.600 pacientes e 1
milhão de “controles”. Essa descoberta do quadro genético diferente para os
diversos tipos de epilepsias fornece pistas para entender as várias síndromes.
No trabalho, os
cientistas apontam que as proteínas que transportam impulsos elétricos por meio
das lacunas entre os neurônios do cérebro constituem parte do risco de formas
generalizadas de epilepsia. Nesse sentido, enfatizam a importância de
caracterizar ou classificar com precisão as síndromes epilépticas específicas
(fenotipagem sindrômica) para melhor compreender a base genética da doença.
Defensora de
estudos com os chamados “dados puros”, Lopes-Cendes diz que está trabalhando
agora especificamente com epilepsia do lobo temporal mesial (ELTM) com atrofia
hipocampal. “Temos gerado dados continuamente para uma pesquisa específica
sobre o tema. Defendo que, em determinados estudos, misturar informações de
tipos diferentes de epilepsia pode ‘diluir’ o dado, não destacando resultados
que poderiam aparecer se o grupo de pacientes estudado fosse mais homogêneo. Acho
que é preciso um equilíbrio”, completa.
No início do ano, a
pesquisadora e seu grupo publicaram outro artigo aprofundando o entendimento
sobre ELTM, considerada a mais comum e refratária ao tratamento farmacológico,
ao avaliar, pela primeira vez, o perfil do RNA mensageiro (mRNA, molécula que
contém a informação para a produção de proteínas) de tecido cirúrgico obtido de
pacientes (leia mais em: agencia.fapesp.br/40847).
Por seu trabalho
com genética, Lopes-Cendes foi convidada recentemente pela OMS para fazer parte
do novo Grupo Consultivo Técnico sobre Genômica (TAG-G), responsável por
contribuir com o processo de aceleração do acesso ao conhecimento e às
tecnologias genômicas, especialmente em países de baixo e médio rendimento. No
total fazem parte do grupo 15 cientistas de diversos países.
O artigo GWAS
meta-analysis of over 29,000 people with epilepsy identifies 26 risk loci and
subtype-specific genetic architecture pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41588-023-01485-w.
Luciana Constantino
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/maior-estudo-sobre-epilepsia-do-mundo-revela-arquitetura-genetica-da-doenca-e-indica-novas-terapias/44960
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