O início do segundo semestre vem acompanhado do eterno debate do impacto da política de inclusão social pelo estabelecimento de cotas de classes menos favorecidas como critério de entrada nas universidades federais
A DISCUSSÃO DAS COTAS NA EDUCAÇÃO
Maurício Ferro é advogado com
mestrado e especializações realizadas em universidades como a London
School e University of London. Cursou OPM na Harvard Business School. Autor de
trabalhos nas áreas comercial e de mercado de capitais com atuação no Conselho
de Administração de grandes empresas.
O início do
segundo semestre vem acompanhado do eterno debate do impacto da política de
inclusão social pelo estabelecimento de cotas de classes menos favorecidas como
critério de entrada nas universidades federais. Este debate se tornou mais
acalorado pela recente decisão da Suprema Corte Norte Americana que determinou
o fim do programa de cotas nos Estados Unidos para entrada nas universidades
americanas, em vigor desde 2003, sob o argumento de que a Constituição Norte
Americana garante proteção igualitária aos cidadãos. A decisão, por maioria, da
Suprema Corte refletiu uma divisão já existente na sociedade americana.
No Brasil, nesta
semana, a Câmara dos Deputados aprovou a renovação da lei
de cotas com previsão de nova revisão em 2033.
Estudos mostram
que o desempenho médio de estudantes beneficiados por programas de ação
afirmativa é inferior ao dos demais estudantes não cotistas. Isto não deveria
causar surpresa. Se fosse tão fácil para cotistas
apresentarem rendimento superior ao de não cotistas, ninguém estaria discutindo
a existência das cotas. É justamente porque são piores que a ideia de ação
afirmativa se coloca. Também não é o caso de se tomar estes resultados como
demonstração insofismável de que as cotas deveriam ser rejeitadas de plano, já
que serviriam apenas para prejudicar a meritocracia dos vestibulares.
Toda dificuldade
em torno das cotas vem do fato de que universidades desempenham um duplo papel.
Elas se tornaram a principal fator de ascensão social do mundo moderno e,
adicionalmente, têm a missão de formar os profissionais que estarão, no futuro
próximo, a disposição da sociedade. Enquanto o primeiro critério admite
facilmente uma abordagem mais voltada para a justiça social, o segundo,
naturalmente recomendaria uma adesão mais forte à excelência acadêmica. O
desafio é encontrar um jeito de conciliar os dois princípios. A resposta,
certamente não está em elevar as vagas exclusivas para minorias de ação
afirmativa, hoje em 50%. O número excessivo aumenta o gap entre cotistas e não
cotistas, inflacionando o preço da inclusão.
Para aqueles que
entendem que o mérito sempre deve prevalecer, a pergunta que fica é: qual é o
mérito?
Eduardo Giannetti
lembra que a desigualdade coloca um problema ético dependendo da forma como foi
estabelecida. Para ele “A questão crucial é: a desigualdade observada reflete
essencialmente os talentos, esforços e valores diferenciados dos indivíduos ou,
ao contrário, ela resulta de um jogo viciado na origem – de uma profunda falta
de equidade nas condições iniciais de vida, de privação de direitos elementares
e/ou da discriminação racial, sexual ou religiosa?”
O filósofo norte
americano John Rawls vai além. Para ele as aptidões naturais não são “mais
justas” do que os direitos de nascimento que a nobreza se atribuía, ou as
vantagens proporcionadas por crescer numa família rica. Para o filosofo,
atributos como força, inteligência e beleza seriam um prêmio indevido, já que
resultam de combinações aleatórias de genes e não de virtudes individuais.
Portanto, segundo Rawls, se é injusto discriminar alguém devido à cor da pele é
injusto favorecer outrem porque teve a sorte de nascer com qualidade certa na
época certa.
Dessa forma, a
própria ideia de mérito parece não se sustentar se tivermos como pressuposto
uma noção mais absoluta de justiça como Rawls. Pragmaticamente, entendo que é
natural quem contrate alguém baseado no seu desempenho acadêmico. O problema é
que fica mais difícil equiparar a noção de meritocracia à de justiça.
Penso que a
solução está na melhoria do nível da escola básica. Uma das características do
conhecimento acadêmico é que o aluno só progride bem quando domina as etapas
anteriores. Certas matérias, como matemática, são simplesmente impossíveis de
evoluir sem conhecer as operações clássicas. Não à toa, recentemente foi
averiguado que o ensino de matemática no Brasil vem se depauperando ano após
ano. Desse modo, querer que o vestibular seja o único elemento de seleção na
entrada das universidades é o mesmo que aceitar colocar no ringue lutadores de
jiu jitsu, sendo um detentor de faixa branca e outro de faixa preta e achar que
o resultado poderá ser diferente do que a massacrante vitória do faixa preta.
Assim, o lugar
certo para combater o desnível de conhecimento são os primeiros anos do ensino
fundamental. A política educacional deveria privilegiar a gratuidade no ensino
básico, durante o período de formação da cognição e cobrar mensalidade nas
universidades, mesmo que públicas, como uma medida de justiça social.
Sabemos que o
Estado não consegue garantir o estudo gratuito a todos na completude acadêmica.
Ao mesmo tempo, se houver equidade de ensino básico se trona mais palatável
conciliar trabalho e estudo e com isso, mesmo os menos favorecidos seriam
capazes de pagar as mensalidades do ensino superior. Privilegiar verba orçamentária para
subsidiar a gratuidade de universidades publicas, em detrimento de um melhor
ensino básico é uma política que não consigo compreender.
Com uma maior
inclusão e ensino básico de qualidade, menor seria o gap de aprendizado entre
os candidatos no vestibular e, consequentemente, maiores as chances de se
diminuir o número das cotas de inclusão social nas universidades.
Para mais
informações, basta acessar: https://www.mauricioferro.com.br/
leia mais : Queda
na Taxa Selic pode beneficiar economia brasileira | Dino | Valor Econômico
(globo.com)
Novo
Safra prevê financiamento de R$ 364,22 bilhões | Dino | Valor Econômico
(globo.com)
O
Brasil segue pensando pequeno – Mauricio Ferro
Nenhum comentário:
Postar um comentário