O Programa do Governo Federal traz vantagens às empresas, como a alíquota zero para alguns tributos, mas também pode causar transtornos, caso seja aplicada de forma errônea
O Programa Especial de Retomada
do Setor de Eventos e Turismo (Perse) teve mudanças que entraram em vigor em
março deste ano, resultado da Lei nº 14.148, de 3 de maio de 2021.
Destinado às pessoas jurídicas direta ou indiretamente relacionadas ao
setor de eventos e turismo, visa compensar os impactos econômicos negativos da
pandemia da Covid-19. Apesar de trazer vantagens para as empresas dessas áreas,
advogados e contadores se deparam com situações em que a aplicação do Programa
pode gerar transtornos para os negócios e até à autuação da Receita Federal,
caso não haja um assessoramento adequado no momento de implementar os
benefícios.
O Perse traz vantagens para a
renegociação de dívidas tributárias, prevê uma indenização bancada pelo Governo
Federal, facilita o acesso ao crédito e prorroga a validade das certidões
negativas. Um dos benefícios mais atrativos previstos na lei é a desoneração
tributária (art. 4ª da Lei), que estabelece a redução a 0% de impostos
derivados de PIS/Pasep, COFINS, CSLL e IRPJ pelo prazo de 60 meses. Ou seja, as
empresas do setor poderão ficar sem pagar tais tributos por até cinco anos.
O advogado tributarista,
especialista em Contabilidade e Finanças e em Direito Tributário, Ricieri
Calixto, afirma, entretanto, que a legislação do Perse possui lacunas na forma
como está escrita, o que pode gerar brechas para diversas interpretações. Por
isso, como toda regra tributária e jurídica, é necessária uma análise por uma
equipe de especialistas e de confiança dos empresários.
“Há detalhes legais e contábeis
na lei que podem fazer a diferença no momento de a empresa aproveitar o
benefício com governança ou, no pior cenário, gerar risco, se mal executada.
Não vamos nos esquecer de que a pandemia mudou o mundo, mas o sistema
tributário brasileiro manteve-se caótico e burocrático, o que reforça a
necessidade de os empresários contarem com equipes sólidas para aplicar o
Perse”, destaca Calixto.
Para ajudar a sanar as dúvidas de
empresários do setor de turismo e eventos a respeito da lei, a Salamacha
Advocacia, escritório paranaense em que Calixto atua como coordenador
tributário, elaborou um e-book, que contém
informações sobre a aplicação correta do Programa.
Conforme Calixto, há cinco
principais armadilhas que podem gerar transtornos aos empresários. Confira:
1) Ter o
CNAE na listagem de atividades beneficiadas não é o suficiente para utilizar o
Perse: o art. 2º da Lei do Perse define como “pertencentes
ao setor de eventos” as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins
lucrativos, que exercem direta ou indiretamente as atividades de eventos,
hotelaria, cinema e turismo. Já a Portaria ME nº 7.163/2021 trouxe a listagem
de CNAEs para os quais o programa é aplicável. Ocorre que não basta apenas ter
na empresa algum dos CNAEs mencionados na portaria. É preciso que a sua inclusão
e utilização seja anterior à data de 04/05/2021. Também é necessário considerar
se há faturamento relevante por meio dessas atividades, e se as empresas
realmente atuam no ramo de eventos e turismo, já que há muitas com CNAEs
secundários constantes na portaria, mas que não preenchem os demais requisitos
da lei.
2) As
empresas relacionadas ao turismo não podem utilizar o Perse automaticamente,
sendo necessário o Cadastur: o Anexo II da Portaria ME nº
7.163/2021 trouxe a lista de códigos CNAE das atividades que se enquadram
no inciso IV do art. 2º da Lei do Perse, que trata da “prestação de serviços
turísticos”. Para estas atividades, além do CNAE prévio à publicação da Lei, a
aplicação dos benefícios do Perse também depende de ter inscrição regular no
Cadastur, desde 4/5/2021. “Ao exigir o Cadastur, a Portaria trouxe limitação
não prevista originalmente na Lei do Perse, o que viola o princípio da
legalidade estrita tributária. No entanto, as empresas injustamente excluídas
do Perse podem procurar o judiciário para fazer jus aos benefícios, só que sob
pena de autuação pela Receita Federal no prazo de 5 anos”, destaca o advogado
tributário.
3) Ninguém
sabe ao certo o que significa o “resultado das pessoas jurídicas” mencionado na
Lei do Perse: o art. 4º da Lei prevê que
ficam reduzidas a 0% as alíquotas de PIS/Pasep, COFINS, CSLL e IRPJ, incidentes
sobre o “resultado auferido pelas empresas”, pelo prazo de 60 meses. Contudo,
conforme Calixto, os contribuintes não podem ser ingênuos a ponto de pensar que
o benefício é para todo e qualquer faturamento da empresa. “A Receita Federal
provavelmente fiscalizará e limitará a utilização destes benefícios apenas
sobre as receitas auferidas com os CNAEs previstos na Portaria do Ministério da
Economia. Nesse sentido, pode haver autuação caso a empresa ofereça receitas
financeiras, com aluguéis, ou qualquer outro tipo de receita de outras
atividades que possua tributo pela alíquota 0%”, sustenta o advogado.
4) A
alíquota 0% não é aplicável desde 04/05/2021, mas, sim, a partir de 18/03/2022: inicialmente, o Presidente da República vetou alguns artigos
da Lei do Perse, mas o Congresso Nacional posteriormente derrubou o veto. Dessa
forma, em 18 de março de 2022, entraram em vigor alguns dos artigos que
continham os principais benefícios fiscais da Lei, inclusive o art. 4º que
trata da alíquota 0%. Ao considerar a retificação de obrigações para
implementação do Programa, a empresa deve atentar-se para não deixar de pagar
os impostos de datas anteriores a 18/03/2022, sob pena de autuação pela Receita
Federal.
5) As
empresas do Simples Nacional não podem utilizar o Perse e é importante o
cuidado ao mudar de regime tributário: como a
legislação do Simples Nacional impede a cumulação de outros benefícios fiscais,
a Lei do Perse não se aplica a esse sistema. Segundo Calixto, muitas empresas
desse regime tributário de pequeno porte também foram impactadas na pandemia e,
sendo do setor de eventos e turismo, podem cogitar querer sair do regime
simplificado, migrando para o Lucro Real ou Lucro Presumido. Para o advogado,
porém, nem sempre a mudança de regime será vantajosa. “Os tributos sobre a
folha de salários são muito mais onerosos no Lucro Real ou Presumido, bem como
há outros entraves em relação ao ISS e ICMS, que podem tornar prejudicial a
migração de regime, já que a complexidade aumenta, sendo necessário o apoio de
contadores mais especializados, para evitar autuações”, comenta.
Da maneira como a Legislação está escrita, a definição
sobre a existência do direito ou não em utilizar alíquota zero do Perse pode se
tornar responsabilidade do Poder Judiciário no Brasil. Segundo Calixto, é
possível identificar pontos favoráveis aos contribuintes a respeito da lei, mas
ainda é necessário maturidade para formar uma jurisprudência sólida sobre os
limites na utilização do Perse. Os interessados em tirar dúvidas sobre o
Programa devem buscar assessoria jurídica e tributária.
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