Enquanto cresce o
número de empresas investindo em saúde mental, especialistas apontam para a
necessidade de qualificação para atuar na área
Quase 18 meses após o anúncio oficial
da pandemia da COVID-19 tornaram-se usuais os debates em torno da promoção da
saúde mental do trabalhador. Se de um lado as circunstâncias lançaram luz sobre
a temática e reduziram o tabu em torno dos transtornos mentais e
comportamentais, do outro proliferam abordagens superficiais. "Como no
capitalismo tudo se transforma em mercadoria, o sofrimento psíquico fez surgir
a oferta de soluções questionáveis, sem a profundidade necessária para
enfrentamento da questão e sem a participação de profissionais
habilitados", afirma Carla Furtado, pesquisadora e fundadora do Instituto
Feliciência.
Para atuar no campo
da saúde mental, devem-se cumprir pré-requisitos. Renata Figueiredo, médica e
Presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr), alerta que somente
psiquiatras e psicólogos estão habilitados para atuar em saúde mental no que
tange a anamnese, diagnóstico e assistência. "Tornou-se usual vermos
pessoas falando sobre saúde mental a partir de experiências pessoais. Apesar do
desejo de apoiar os outros a partir do funcionou para elas, cada pessoa é única
e necessita de avaliação e acompanhamento personalizado e especializado",
elucida.
Há diferentes
abordagens que parecem, à primeira vista, uma coisa só. "Estamos vendo
iniciativas corporativas nas áreas de felicidade, bem-estar e saúde mental.
Embora tenham interseção, demandam planejamentos específicos e composição de
times com as qualificações necessárias para implementação. Especialistas em
psicologia positiva (lato sensu), sendo ou não psicólogos, estão habilitados
para atuar em felicidade e bem-estar. Já na saúde mental, é imprescindível a
integração de psicólogos e psiquiatras, bem como dos médicos do trabalho",
explica Carla.
Não observar esse
preceito apresenta riscos. "Quando se trata de saúde mental, partimos do
princípio que nenhuma intervenção é inócua, ou seja, se não fizer bem mal
também não faz", orienta Renata. Até mesmo a meditação, cujos benefícios
são validados em inúmeros artigos científicos, pode trazer efeitos deletérios.
"A ciência apresenta evidências de contraindicação de meditação para
algumas pessoas, que podem experimentar por exemplo quadro de despersonalização
entre outros", exemplica a psiquiatra. Mesmo as intervenções em psicologia
positiva, cujo objetivo é fomentar o bem-estar, precisam ser cuidadosamente
prescritas e os participantes devem ser acompanhados.
No âmbito
organizacional, Carla destaca que há três dimensões de atuação em promoção da
saúde mental: prevenção, descompressão e assistência. "Nunca é apenas
sobre uma bandeja de frutas", destaca. Já Renata enfatiza o quanto é
essencial identificar a situação de cada organização, a partir de um
diagnóstico minucioso que pode lançar mão de instrumentos de aferição e
indicadores. "Nenhuma empresa é igual à outra, precisa ser avaliada dentro
de suas especificidades", reforça a médica.
Com a aproximação do
Setembro Amarelo, mês que marca a prevenção ao suicídio, Renata destaca que as
organizações também precisam ir além das palestras localizadas, estendendo as
ações ao longo do ano, incluindo rastreamento de sintomas, acolhimento e
divulgação da assistência oferecida por equipe interna ou plano de saúde.
"Cuidar das pessoas é o certo a se fazer, em primeiro lugar por elas e em
segundo lugar pela própria organização. Um transtorno mental severo significa,
em média, 100 dias de afastamento do trabalho", informa.
Dados Brasileiros
Carla, que integra o
Grupo de Pesquisa em Trabalho e Mobilização Subjetiva da Universidade Católica
de Brasília, lembra que a escalada de transtornos mentais e comportamentais
antecede a pandemia: "O Brasil é líder mundial em transtornos de
ansiedade, com 9,3% de incidência, e esse é um dado da Organização Mundial de
Saúde de 2017. Também anterior à COVID é o nosso status de incidência de
depressão superior à média mundial: 5,8% contra 4,4%".
Pesquisa da
Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) mostrou, ainda em 2020, que houve
aumento significativo na demanda por assistência psiquiátrica durante a
pandemia. "As pessoas têm procurado mais a assistência especializada, com
queixas mais recorrentes de ansiedade e medo. Contudo, ainda não temos dados
que sustentem o aumento de diagnósticos. Estudos mostram que o aumento ocorre
com o fim da situação adversa, como visto por exemplo do caso de epidemias e
guerras", conclui Renata.
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