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quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Atuação não qualificada em saúde mental pode colocar em risco o bem-estar psíquico

Enquanto cresce o número de empresas investindo em saúde mental, especialistas apontam para a necessidade de qualificação para atuar na área

 

Quase 18 meses após o anúncio oficial da pandemia da COVID-19 tornaram-se usuais os debates em torno da promoção da saúde mental do trabalhador. Se de um lado as circunstâncias lançaram luz sobre a temática e reduziram o tabu em torno dos transtornos mentais e comportamentais, do outro proliferam abordagens superficiais. "Como no capitalismo tudo se transforma em mercadoria, o sofrimento psíquico fez surgir a oferta de soluções questionáveis, sem a profundidade necessária para enfrentamento da questão e sem a participação de profissionais habilitados", afirma Carla Furtado, pesquisadora e fundadora do Instituto Feliciência.

Para atuar no campo da saúde mental, devem-se cumprir pré-requisitos. Renata Figueiredo, médica e Presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr), alerta que somente psiquiatras e psicólogos estão habilitados para atuar em saúde mental no que tange a anamnese, diagnóstico e assistência. "Tornou-se usual vermos pessoas falando sobre saúde mental a partir de experiências pessoais. Apesar do desejo de apoiar os outros a partir do funcionou para elas, cada pessoa é única e necessita de avaliação e acompanhamento personalizado e especializado", elucida.

Há diferentes abordagens que parecem, à primeira vista, uma coisa só. "Estamos vendo iniciativas corporativas nas áreas de felicidade, bem-estar e saúde mental. Embora tenham interseção, demandam planejamentos específicos e composição de times com as qualificações necessárias para implementação. Especialistas em psicologia positiva (lato sensu), sendo ou não psicólogos, estão habilitados para atuar em felicidade e bem-estar. Já na saúde mental, é imprescindível a integração de psicólogos e psiquiatras, bem como dos médicos do trabalho", explica Carla.

Não observar esse preceito apresenta riscos. "Quando se trata de saúde mental, partimos do princípio que nenhuma intervenção é inócua, ou seja, se não fizer bem mal também não faz", orienta Renata. Até mesmo a meditação, cujos benefícios são validados em inúmeros artigos científicos, pode trazer efeitos deletérios. "A ciência apresenta evidências de contraindicação de meditação para algumas pessoas, que podem experimentar por exemplo quadro de despersonalização entre outros", exemplica a psiquiatra. Mesmo as intervenções em psicologia positiva, cujo objetivo é fomentar o bem-estar, precisam ser cuidadosamente prescritas e os participantes devem ser acompanhados.

No âmbito organizacional, Carla destaca que há três dimensões de atuação em promoção da saúde mental: prevenção, descompressão e assistência. "Nunca é apenas sobre uma bandeja de frutas", destaca. Já Renata enfatiza o quanto é essencial identificar a situação de cada organização, a partir de um diagnóstico minucioso que pode lançar mão de instrumentos de aferição e indicadores. "Nenhuma empresa é igual à outra, precisa ser avaliada dentro de suas especificidades", reforça a médica.

Com a aproximação do Setembro Amarelo, mês que marca a prevenção ao suicídio, Renata destaca que as organizações também precisam ir além das palestras localizadas, estendendo as ações ao longo do ano, incluindo rastreamento de sintomas, acolhimento e divulgação da assistência oferecida por equipe interna ou plano de saúde. "Cuidar das pessoas é o certo a se fazer, em primeiro lugar por elas e em segundo lugar pela própria organização. Um transtorno mental severo significa, em média, 100 dias de afastamento do trabalho", informa.



Dados Brasileiros

Carla, que integra o Grupo de Pesquisa em Trabalho e Mobilização Subjetiva da Universidade Católica de Brasília, lembra que a escalada de transtornos mentais e comportamentais antecede a pandemia: "O Brasil é líder mundial em transtornos de ansiedade, com 9,3% de incidência, e esse é um dado da Organização Mundial de Saúde de 2017. Também anterior à COVID é o nosso status de incidência de depressão superior à média mundial: 5,8% contra 4,4%".

Pesquisa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) mostrou, ainda em 2020, que houve aumento significativo na demanda por assistência psiquiátrica durante a pandemia. "As pessoas têm procurado mais a assistência especializada, com queixas mais recorrentes de ansiedade e medo. Contudo, ainda não temos dados que sustentem o aumento de diagnósticos. Estudos mostram que o aumento ocorre com o fim da situação adversa, como visto por exemplo do caso de epidemias e guerras", conclui Renata.


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