Com apoio da FAPESP, pesquisadores da
USP e da Universidade de Oxford treinaram equipe do Instituto Adolfo Lutz para
usar a metodologia antes mesmo de o vírus chegar ao Brasil; dados do genoma
serão úteis para o desenvolvimento de vacinas e testes diagnósticos (imagem:
CDC)
Apenas dois dias após o primeiro
caso de coronavírus da América Latina ter sido confirmado na capital paulista,
pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz e das universidades de São Paulo (USP) e
de Oxford (Reino Unido) publicaram a sequência completa do genoma viral, que
recebeu o nome de SARS-CoV-2.
Os dados foram divulgados nesta
sexta-feira (28/02) no site Virological.org, um fórum de discussão e compartilhamento
de dados entre virologistas, epidemiologistas e especialistas em saúde pública.
Além de ajudar a entender como o vírus está se dispersando pelo mundo, esse
tipo de informação é útil para o desenvolvimento de vacinas e testes
diagnósticos.
“Ao sequenciar o genoma do vírus,
ficamos mais perto de saber a origem da epidemia. Sabemos que o único caso
confirmado no Brasil veio da Itália, contudo, os italianos ainda não sabem a
origem do surto na região da Lombardia, pois ainda não fizeram o sequenciamento
de suas amostras. Não têm ideia de quem é o paciente zero e não sabem se ele
veio diretamente da China ou passou por outro país antes”, disse Ester Sabino, diretora
do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP.
De acordo com Sabino, a sequência
brasileira é muito semelhante à de amostras sequenciadas na Alemanha no dia 28
de janeiro e apresenta diferenças em relação ao genoma observado em Wuhan,
epicentro da epidemia na China. “Esse é um vírus que sofre poucas mutações, em
média uma por mês. Por esse motivo não adianta sequenciar trecho pequenos do
genoma. Para entender como está ocorrendo a disseminação e como o vírus está
evoluindo é preciso mapear o genoma completo”, explicou.
Esse monitoramento, segundo
Sabino, permite identificar as regiões do genoma viral que menos sofrem
mutações – algo essencial para o desenvolvimento de vacinas e testes
diagnósticos. “Caso o teste tenha como alvo uma região que muda com frequência,
a chance de perda da sensibilidade é grande”, disse.
Vigilância epidemiológica
Ao lado de Nuno Faria, da
Universidade de Oxford, Sabino coordena o Centro Conjunto Brasil-Reino Unido
para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE).
O projeto, apoiado por FAPESP,
Medical Research Council e Fundo Newton (os dois últimos do Reino Unido), tem
como objetivo estudar em tempo real epidemias de arboviroses, como dengue e
zika.
“Por meio desse projeto foi
criado uma rede de pesquisadores dedicada a responder e analisar dados de
epidemias em tempo real. A proposta é realmente ajudar os serviços de saúde e
não apenas publicar as informações meses depois que o problema ocorreu”, disse
Sabino à Agência FAPESP.
Segundo a pesquisadora, assim que
o primeiro surto de COVID-19 foi confirmado na China, em janeiro, a equipe do
projeto se mobilizou para obter os recursos necessários para sequenciar o vírus
assim que ele chegasse no Brasil.
“Começamos a trabalhar em parceria
com a equipe do Instituto Adolfo Lutz e a treinar pesquisadores para usar uma
tecnologia de sequenciamento conhecida como MinION, que é portátil e barata.
Usamos essa metodologia para monitorar a evolução do vírus zika nas Américas,
mas, nesse caso, só conseguimos traçar a origem do vírus e a rota de
disseminação um ano após o término da epidemia. Desta vez, a equipe entrou em
ação assim que o primeiro caso foi confirmado”, contou Sabino (leia mais em:
Quebra de barreiras
O primeiro caso de COVID-19 no
Brasil (BR1) teve diagnóstico molecular confirmado no dia 26 de fevereiro pela
equipe do Adolfo Lutz. Trata-se de um paciente infectado na Itália,
possivelmente entre os dias 9 e 21 deste mês. O sequenciamento do genoma viral
foi conduzido por uma equipe coordenada por Claudio Tavares Sacchi,
responsável pelo Laboratório Estratégico do Instituto Adolfo Lutz (LEIAL), e Jaqueline Goes de Jesus,
pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP e bolsista da FAPESP.
“Já estávamos prevendo a chegada
do vírus no Estado de São Paulo e, assim que tivemos a confirmação, acionei os
parceiros do Instituto de Medicina Tropical da USP. Já estávamos trabalhando
juntos há alguns meses no uso da tecnologia MinION para monitoramento da
dengue”, contou Saccchi à Agência FAPESP.
“Conseguimos quebrar algumas
barreiras com esse trabalho. A universidade treinou equipes e transferiu
tecnologia para que o sequenciamento pudesse ser feito no lugar certo, que é o
centro responsável pela vigilância epidemiológica. É assim que tem de ser”,
disse Sabino.
Além do Lutz e da USP, participam
do Projeto CADDE integrantes da Superintendência de Controle de Endemias
(Sucen) e do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE), ambos ligados à
Secretaria de Estado da Saúde.
Plano de contenção
O infectologista e professor da
FM-USP Esper Kallás tem
auxiliado a Secretaria de Estado da Saúde, desde meados de janeiro, a elaborar
a estratégia de atendimento de pacientes eventualmente infectados pelo
SARS-CoV-2. O Instituto de Infectologia Emilio Ribas e o Hospital das Clínicas
da USP foram escolhidos como instituições de referência para atender os casos
graves no Estado.
“O HC segue um protocolo para
contenção de catástrofe chamado HICS [sistema de comando de incidentes
hospitalares, na sigla em inglês], que já foi acionado no atendimento a vítimas
do massacre escolar em Suzano [ataque que deixou dez mortos em 2019] e durante
a epidemia de febre amarela de 2018. Agora, sabendo que possivelmente há uma
epidemia de coronavírus a caminho, já estabelecemos todos os fluxos de
atendimento”, contou.
Ainda segundo Kallás, foi criado
um grupo de trabalho para discutir protocolos de estudos clínicos que serão
feitos com os pacientes diagnosticados e atendidos na rede pública estadual.
“Esse planejamento estratégico e
a rápida publicação do genoma viral são indicadores da capacidade que o Estado
de São Paulo tem de responder com ciência de alta qualidade e de contribuir
para o entendimento das ameaças à saúde da população”, afirmou.
Karina
Toledo
Agência
FAPESP
- http://agencia.fapesp.br/tecnologia-que-sequenciou-coronavirus-em-48-horas-permitira-monitorar-epidemia-em-tempo-real/32637/
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