Em meio a botões e
rendas, cresci ao lado de uma máquina de costuras ouvindo histórias da infância
de minha mãe em Minas Gerais. Como era difícil e ao mesmo tempo
surpreendente imaginar minha mãe criança! Afinal, eram histórias de uma época
em que ela nem sequer sonhava com a maternidade.
Graças a esses momentos, tive oportunidade de construir minha identidade social
e cultural. Desenvolvi minha linguagem, ampliei meu vocabulário, formei meu
caráter, e me preparei para as respostas às questões que a vida mais tarde
viria me fazer, além de ir buscar nos livros mais e mais historias.
Os anos se passaram, a menina que ouvia historia da mãe passou a ter as suas
próprias histórias quando recebeu em seu colo um pequenino ser de pele
rosada. Nascia minha primeira filha Vanessa.
Um certo dia, cheguei em casa a noite depois de um trabalho de treinamento
prático de voluntários do Instituto Historia Viva no Hospital Erasto Gaertner.
Abri a porta da sala pensando em comer algo, pois a fome havia chegado junto
com a exaustão. Aquele tinha sido um dos dias mais difíceis, pois a dor e
sofrimento das crianças com câncer hospitalizadas me deixaram especialmente
emocionada. O esforço que elas faziam para acompanhar as histórias era notável.
Algumas nem ao menos tinham forças para esboçar uma reação. Eu mal colocara o
pé para dentro de casa quando escuto uma voz vinda do quarto do meu filho: mãe,
conta uma história pra mim? Claro que nem lembrei mais da fome e fui direto
contar para ele a mesma história contada para as crianças do hospital. E o mais
incrível de tudo foi sua reação. Seus olhinhos brilhavam, seu sorriso no rosto
era lindo, como a dizer: “Valeu a pena mãe, obrigada em nome de todas as
crianças, a sua história é incrível!”.
A cada novo dia estamos escrevendo nossas histórias. É importante que como
mães, pais e avós contemos essas histórias para as crianças. Sejam historias de
nossa vida ou inventadas, pois estaremos compartilhando valores, exemplos e
inspirando sua formação. É um gesto de amor.
Enquanto escrevo esse artigo, toca a campainha do meu apartamento e escuto a
voz da minha filha ao interfone: “Mãe, tem TCC na faculdade e esqueci de
avisar. Você pode ficar com a Sophia?” Oba, hoje vai ter festival de histórias!
Nesse Dia das Mães rendo minha homenagem também a todos os filhos: biológicos,
adotivos, de casais tradicionais, de casais modernos e os que adotam mães e
avós, pois com eles nós temos a gratificante oportunidade de escrever e contar
nossas histórias vivas.
Roseli
Bassi - fundadora do Instituto História Viva que, desde 2005, trabalha para
transformar ambientes de dor e sofrimento por meio da literatura oralizada.
Através deste trabalho, Roseli tem incentivado a leitura, a educação e a
cultura brasileira. Em quase oito anos de existência, a entidade já formou mais
de 900 voluntários na arte de ouvir e contar histórias. Atualmente, o Instituto
mantém parceria com 12 instituições e assiste mais de 14 mil pessoas por ano.
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