A crise
econômica colocou a indústria automobilística em xeque. No mundo todo, as
montadoras puseram o pé no freio. Projetos foram adiados, orçamentos cortados e
as gigantes norte-americanas fecharam milhares de postos de trabalho. Se antes
do aperto financeiro a prática era recrutar e contratar executivos e
profissionais especializados aos montes, com ênfase à quantidade, no pós-crise
a palavra de ordem terá de ser qualidade.
Setor altamente
departamentalizado por tradição, a cadeia produtiva automobilística
(montadoras, autopeças, etc) sempre valorizou o profissional superespecializado
– como, por exemplo, um engenheiro especialista em suspensão, ou um vendedor
“expert” no atendimento a frotas – em detrimento do profissional com perfil
mais abrangente em competências e conhecimentos, mais generalista.
A crise,
entretanto, vai pegar de frente o profissional superespecializado, que
contribui muito quando existem novos projetos, mas torna-se caro para a
organização quando estes são adiados. As vendas caem, a economia se retrai e a
indústria como um todo está abalada. É esse pessoal que está mais suscetível a
perder seu emprego e não ter outra chance no mercado. Manter-se no trabalho ou
começar uma carreira vai exigir uma mudança de perfil, porque as empresas
passaram a necessitar de profissionais mais ecléticos, de formação mais ampla,
que possam servir em várias funções.
Nesse novo
panorama que se desenhou por força da crise foi preciso quebrar paradigmas
basilares da indústria automobilística, setor que, com exceção do ABS, air-bag,
dos veículos crossover e SUV, na verdade não apresentou nenhuma grande novidade
tecnológica nos últimos 20 anos em termos de produtos disponíveis no mercado.
No Brasil, a empresa que mais se renovou nos últimos dez anos foi uma
tradicional montadora de origem norte-americana, que trouxe para sua
presidência um executivo de fora da indústria, lançou o primeiro SUV compacto
do nosso mercado e implantou uma fábrica em um estado sem nenhuma tradição
automobilística.
Para sobreviver
nos novos tempos, não bastarão diploma universitário, pós-graduação e MBA. Quem
já está no mercado precisa transformar o temor da dispensa em coragem para
construir uma formação mais eclética, não necessariamente atrelada às
necessidades imediatas de promoção, como forma de se preparar para uma nova
década de mudança de perfil que vai exigir dele uma nova postura profissional.
É preciso buscar
dentro do que chamamos conhecimentos conexos ou adjacentes quais são as áreas
que ele pode desenvolver de maneira mais criativa, preparando-se para as novas
demandas do mercado. Talvez fazer um curso de História da Arte, Sociologia,
Filosofia, Design Gráfico, Engenharia Ambiental ou outro qualquer que ajude a
entender como aquela tecnologia pode ser reinterpretada para servir melhor às
necessidades do consumidor ligadas à situação da sociedade naquele momento.
Quem quer entrar
neste ou em outro mercado deve fazer um “autoteste vocacional”, a fim de
reconhecer e desenvolver outras habilidades e se focar nelas. No mercado
pós-crise, o grande diferencial não será seu conhecimento específico, mas o
quanto suas outras aptidões e conhecimentos amplos podem acrescentar ao seu
trabalho.
Qualquer que
seja o caso, esse profissional terá de repensar a relação entre a máquina e o
ser humano que a utiliza, seja sob o ponto de vista estético, social, político,
econômico e ambiental. É justamente desses questionamentos que poderão surgir novas
tecnologias e produtos que estimulem o cliente a mudar seus hábitos de consumo.
Flavio Buschinelli - graduado em Economia pela USP, mestre em Marketing
Internacional pela FGV-SP, ex-professor de pós-graduação de Marketing
Estratégico na ESPM-SP e gerente de negócios corporativos da Thomas Case &
Associados, consultoria com mais de 40 anos de atuação na gestão de carreiras e
RH.
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