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terça-feira, 28 de agosto de 2018

Transformação digital nos seguros: o suco de laranja e a redescoberta do risco


Saiba como oferecer experiências diferenciadas num setor onde o serviço adquirido só é utilizado em situações indesejadas (sinistro)


A sociedade e o formato de consumo evoluem juntos, cada vez mais rápido. Um exemplo simples está na laranja transformada em suco pronto, com embalagem e disponibilidade como diferenciais. Outro, mais complexo, são os aplicativos de transporte. Aqui os provedores não possuem motoristas, nem frota, mas criaram um novo canal para o cliente acionar o serviço e revolucionaram a forma como nos locomovemos. Ao estabelecer essa conexão direta entre motoristas e passageiros, esses aplicativos usaram a tecnologia para mudar a tal da embalagem - e assim o produto fica disponível com um clique, em qualquer hora e lugar.

Essa mudança é um dos frutos da era da transformação digital. Outro é a Cross Over for Work, empresa que oferece posições globais de trabalho e carreira, com alta remuneração e sem escritório fixo. Ela recruta executivos em todo o mundo para seus clientes igualmente espalhados pelo globo e as atividades são desenvolvidas por meio de plataformas de trabalho coletivo, com alta disponibilidade. 

Você já percebeu que a transformação digital faz processos virarem produtos e produtos virarem serviços. Portanto, manter o status quo não é mais uma alternativa para as seguradoras. Muitas mudanças estão a caminho e outras já impactam o setor. A Internet das Coisas (Internet of Things, IoT) é uma delas. Ao disponibilizar enorme massa de informações sobre o segurado e seus bens, essa tecnologia permite a customização das apólices. Com isso, a desintermediação ganha força, especialmente nos produtos massificados, direcionando o corretor para vendas com maior valor agregado.

Veja o que fez a insurtech Lemonade, fundada nos Estados Unidos há menos de 3 anos: primeiro, buscou mercado pouco atrativo - seguros de residência para proprietários e inquilinos, inclusive domicílios compartilhados, em bairros de médio padrão em Nova York. O alvo era o público com pouca tradição em seguros, notadamente millennials. Depois, a Lemonade quebrou o modelo de atuação das seguradoras, substituindo corretores e burocracia por interações digitais e robôs, que liberam coberturas em minutos. Resultado: sucesso.

No Brasil, onde a regulamentação atual limita vendas diretas da seguradora, surgem iniciativas mais ousadas para contornar a “distância” do cliente massificado. Entre elas está o compartilhamento das bases de clientes do corretor e da seguradora para oferecer, por exemplo, seguro de vida àqueles que só possuíam apólices de automóvel. O objetivo é superar, com tecnologia e informações disponíveis nas redes sociais, um obstáculo local às vendas cruzadas: a especialização dos corretores em nosso país. Nosso índice de apólices da mesma seguradora por cliente (ou domicílio) é dos menores do mundo, inferior a 1,5 mesmo nas grandes do setor, contra mais de 3 em países com maior penetração do seguro.

Cresce a percepção de que o corretor precisa ser melhor capacitado e alavancado pelas seguradoras, especialmente quando está em jogo a superação das metas de venda e barreiras na distribuição. A peça-chave (exceto em bankassurance e affinity) ainda é esse profissional: com apoio da tecnologia, ele aumentará a produtividade, por exemplo, criando rotinas com inteligência para mapear eventos de vida dos clientes-alvo via redes sociais. Assim pode oferecer serviços e plataformas de qualidade em todas as interações ao longo da jornada do cliente – cotação, venda, pagamento, endosso, sinistro, renovação e consultas.

A indústria de seguros foi criada há centenas de anos, no tempo das caravanas dos comerciantes que traziam mercadorias do Oriente (não deixem de ler “Desafio aos Deuses: a fascinante história do risco”, de Peter Bernstein, 1997).  Muita coisa mudou desde então, mas a essência permanece: venda de garantia que só se usa em caráter excepcional, ou seja, no caso de sinistro. A evolução até aqui foi cosmética, melhorou atendimento, segmentou o mercado e acrescentou serviços. Mas não é mais suficiente: é necessário explorar o potencial das novas tecnologias – que continuarão chegando – à luz do insubstituível conhecimento de seguros e riscos.

A transformação digital está oferecendo inúmeras oportunidades, mas também ameaças às seguradoras, porque elas atuaram, por décadas, com enormes tabelas de médias demográficas e de sinistralidade, cotando prêmios para clientes sem rosto e sem identidade. Agora, com IoT, redes sociais e motores de regras ajustáveis com inteligência artificial, personaliza-se o risco ao refletir comportamentos observados, não presumidos.

Assim, muda-se a embalagem, o conteúdo e a forma de servir: exatamente como no caso da laranja. Podemos oferecer Usage-based Insurance (UBIs), no qual só se paga pelo uso, ou seja, pelo serviço. Carro que vive na garagem, por exemplo, tem seguro mais barato. Há opção de endossos válidos por horas ou até minutos, quando alguma situação especial deve ser averbada usando meios digitais instantâneos.  

A pergunta que fica é: o que mais vem por aí?





Joel de Oliveira - diretor comercial e de novos negócios da Sistran

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