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Imagem de raio-X de tórax mostrando um mesotelioma pleural maligno (imagem: James Heilman, MD/Wikimedia Commons) |
Risco de morte por
mesotelioma pleural, doença que afeta a membrana que reveste o pulmão, é três
vezes maior entre indivíduos não operados com baixa expressão da proteína
mesotelina nas células tumorais. Estudo da USP também aponta a molécula como
possível alvo terapêutico
Causado pela
exposição ao amianto (asbesto), o mesotelioma pleural maligno é um tipo de
câncer raro, mas muito agressivo, com prognóstico de sobrevida de seis a 18
meses, o que torna necessária a identificação de novos marcadores preditivos e
prognósticos para a doença.
Em trabalho publicado no periódico Frontiers in Immunology,
patologistas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP)
sugerem que a expressão de uma molécula chamada mesotelina (uma proteína
sintetizada por células tumorais do mesotelioma) ajuda a prever a evolução
clínica do paciente. E, ainda, que a proteína seria um potencial alvo
terapêutico.
“Existem vários
outros alvos terapêuticos, mas essa proteína tem sido um candidato muito
promissor, a ‘menina dos olhos’, tanto como marcador prognóstico quanto
preditivo da doença, mas não é só isso. Ao inibi-la, vimos que é possível
diminuir a proliferação celular e conter o crescimento tumoral”, revela Vera Luiza Capelozzi, uma das autoras do artigo.
Ela explica que a
exposição às fibras do asbesto destrói as células mesoteliais normais da
pleura, membrana que reveste o pulmão. A doença se desenvolve a partir do
efeito combinado entre as células da pleura e os macrófagos (células de defesa)
que fagocitam as fibras do asbesto.
“O asbesto é um
silicato que tem a estrutura semelhante à de um cristal. Quando a fibra de
asbesto é inalada, o macrófago, nossa principal célula de defesa, fagocita essa
fibra, mas não consegue destruí-la. Com o tempo, ocorrem reações inflamatórias
recorrentes. Ao redor desse macrófago estão as células normais da pleura. Com o
passar dos anos, as células mesoteliais que tiveram contato com esse macrófago
portador da fibra podem se proliferar sem controle e, em uma dessas divisões, podem
se transformar em células neoplásicas.”
A doença fica
latente por um período e costuma aparecer após os 50 anos. Acomete mais homens
do que mulheres, principalmente trabalhadores ou ex-funcionários de empresas
que empregavam ou empregam asbesto em materiais como caixas d’água, telhas,
forros, pisos e divisórias. A Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu alertas
sobre o amianto, classificado como reconhecidamente cancerígeno e banido em
diversos países, incluindo o Brasil, que só o proibiu em 2017, depois de anos
de pressão das vítimas de doenças causadas pelo material, entre elas o
mesotelioma pleural. Desde então, muitas vezes reunidos em associações, os
afetados vêm processando empregadores.
“Esse tumor tem
várias implicações e uma delas é jurídica. Ao assinar um laudo de mesotelioma
maligno, abre-se uma fronteira para ajudar o oncologista, o cirurgião, mas
também para embasar processos trabalhistas. É um terreno no qual é preciso ser
muito firme”, comenta a pesquisadora.
Microambiente
favorável
A equipe confirmou
a importância da mesotelina – como biomarcador e como alvo promissor no
tratamento do mesotelioma – e ainda examinou sua relação com o sistema
imunológico no cenário do microambiente tumoral.
“Nossa ideia desde
o início foi avaliar o microambiente tumoral e não a expressão gênica. Porque,
se o microambiente tumoral não for favorável, a célula tumoral não progride.
Esse cenário é importante para a célula se movimentar, invadir e se implantar
em outros órgãos.”
Na busca de um
tratamento promissor para a doença, os cientistas investigaram a expressão
proteica da mesotelina e do fator programmed cell death ligant 1 (PD-L1),
uma proteína de ponto de controle (checkpoint) imunológico que regula a
resposta de defesa e previne a autoimunidade (o ataque a tecidos saudáveis).
“O PD-L1 é nosso
sentinela imunológico, ele controla a produção de autoanticorpos pelo
organismo. A expressão de PD-L1 e mesotelina pelo tumor cria uma barreira
funcional contra as células malignas, inibindo sua migração e restaurando o
cenário imunológico”, afirma Capelozzi.
A equipe de
cientistas mostrou que a mesotelina remodela a matriz imunológica do
microambiente tumoral, recrutando diferentes tipos de células do sistema imune
e aumentando o colágeno tipo I, o que contribui para o estabelecimento de uma
barreira mecânica antitumoral, mitigando o risco de morte.
Os cientistas
confirmaram, também, o potencial da mesotelina como biomarcador, pois
demonstraram que o risco de morte foi três vezes maior entre os pacientes não
operados com baixa expressão de mesotelina nas células tumorais, altos níveis
de PD-L1 e baixa infiltração de células linfoides T CD4+ (envolvidas em
diversas respostas imunológicas) no microambiente tumoral.
Protocolo
promissor
Para selecionar a
amostragem, foi feito um levantamento retrospectivo utilizando amostras
cirúrgicas e biópsias de pacientes com mesotelioma obtidas em parceria com o
Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas (Laboratório de Anatomia
Patológica), Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp) e Hospital das Clínicas
da FM-USP. O trabalho teve apoio da FAPESP por meio de três projetos (18/20403-6, 22/06510-0 e 23/02755-0).
Dos 246 casos
inicialmente selecionados, 82 amostras foram incluídas no estudo. Dados dos
pacientes, incluindo sexo, idade, histórico de exposição ao amianto,
histologia, tratamentos realizados e tempo de sobrevivência, foram coletados.
Os cientistas
construíram microarranjos (microarrays) de tecidos das 82 amostras em
lâminas e conduziram ensaios de imuno-histoquímica e imunofluorescência.
“Usando a mesotelina e o PD-L1, fizemos a reação antígeno-anticorpo no tecido
tumoral para detectar a expressão dos biomarcadores. Quando adicionado um
fluorógeno [substância fluorescente], a mesotelina assume uma coloração
acastanhada”, conta a cientista.
As lâminas
preparadas pelos pesquisadores também foram digitalizadas em um scanner
especial. Para quantificar a expressão de diferentes marcadores, as lâminas
digitalizadas foram analisadas usando um software chamado QuPath. De acordo com
a intensidade da coloração assumida pela mesotelina, foi possível saber se ela
está hiperexpressa, hipoexpressa ou se é negativa.
“Com esse trabalho,
conseguimos demonstrar que a mesotelina é importante no microambiente tumoral e
que, alinhada ao PD-L1, pode representar um protocolo terapêutico promissor.
Estamos progredindo com os estudos para analisar a relação da mesotelina e do
PD-L1 com o microambiente, avaliando colágeno e fibra elástica, componentes
fibrilares da matriz extracelular que possibilitam à célula migrar por aí e
ultrapassar as barreiras mecânicas que o organismo cria para evitar que a
célula tumoral caia na circulação e se implante em outros locais, causando a
metástase”, resume Capelozzi.
O artigo Mesothelin
expression remodeled the immune-matrix tumor microenvironment predicting the
risk of death in patients with malignant pleural mesothelioma pode ser
lido em: www.frontiersin.org/journals/immunology/articles/10.3389/fimmu.2023.1268927/full.
Karina Ninni
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/marcador-proteico-ajuda-a-prever-mortalidade-entre-pacientes-com-tipo-agressivo-de-cancer/51661