Estudo realizado na Universidade de São Paulo e publicado na revista Science correlaciona aves e plantas em redes de dispersão de sementes (sanhaço-cinzento; foto: Rodrigo Gusmão)
Mais de 70% das espécies vegetais que produzem flores dependem de aves para dispersar suas sementes. Como as aves consomem frutos de diferentes espécies vegetais, a interação ave-planta configura uma série de redes complexas.
Um estudo,
conduzido no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP),
mostrou que a estabilidade evolutiva de cada espécie de ave depende da posição
que ela ocupa na rede, sendo tanto maior quanto maior o número e mais centrais
são as interações que estabelece com potenciais espécies de plantas parceiras –
isto é, quanto mais conexões mantenha com diferentes partes da rede como um
todo.
Os resultados da pesquisa, que contou
com apoio da FAPESP, foram divulgados na revista Science.
“As espécies de aves que ocupam
posições mais centrais na rede, isto é, que se conectam mais, tendem a ser mais
estáveis em termos macroevolutivos”, diz à Agência FAPESP Gustavo Burin,
primeiro autor do artigo.
O
pesquisador conta que estabelecer essa correlação entre as interações das
espécies e sua dinâmica evolutiva constituiu um enorme desafio, porque foi
necessário cotejar dois processos que ocorrem em escalas de tempo completamente
diferentes. A dispersão de sementes se dá na escala do ano, enquanto a evolução
acontece na de milhões de anos.
“Trabalhamos
durante quatro anos no tema, integrando dados de 468 espécies de aves
pertencentes a 29 redes de dispersão de sementes. E demonstramos que, quanto
mais vínculos a espécie de ave estabelece com espécies de plantas, maior sua
chance evolutiva. Ou, dito talvez de forma mais precisa: quanto maior a
estabilidade evolutiva de uma espécie de ave, mais chance nós temos de observar
sua importância relativa dentro de uma rede de dispersão de sementes –
importância que é avaliada pelo número e padrão de interações que a espécie
estabelece”, afirma Burin.
“As
espécies que ocupam posições centrais na rede atendem a uma de duas
características: ou são mais longevas, com maior tempo de existência no
planeta, ou são aquelas que pertencem a grupos que acumularam muitas espécies
em intervalo de tempo relativamente curto, de modo que se uma espécie
desaparece outras muito parecidas a substituem”, complementa o pesquisador.
Entre as aves nativas no território
brasileiro, dois exemplos de espécies longevas são o sabiá-laranjeira ( Turdus rufiventris) e o sanhaço-cinzento ( Thraupis sayaca).
“Estamos
aqui enfatizando a importância das interações com as plantas para o sucesso
evolutivo da espécie de ave. Mas a recíproca também pode ser verdadeira.
Plantas que podem contar com mais espécies de aves para disseminar suas
sementes têm maior chance de se propagar e sobreviver. Quando existe um animal
vertebrado dispersor, a semente pode ser levada a dezenas de quilômetros de
distância da sua posição de origem”, ressalta Burin.
Esse
mecanismo é mais intenso e efetivo em regiões quentes, úmidas e menos sujeitas
a variações sazonais. Não é por acaso que a Amazônia colombiana e o sudeste
asiático abrigam os principais santuários de biodiversidade do planeta, tanto
animal quanto vegetal.
A pesquisa combinou dados ecológicos,
modelagem matemática e computacional e ferramentas analíticas derivadas do
estudo de redes complexas. E, além de Burin, teve a participação de Paulo Guimarães Jr e Tiago Quental.
Recebeu financiamento da FAPESP por
meio de cinco projetos (2014/03621-9, 2018/04821-2, 2018/14809-0, 2012/04072-3 e 2018/05462-6).
O artigo Macroevolutionary stability predicts interaction patterns of
species in seed dispersal networks pode ser acessado em: https://science.sciencemag.org/content/372/6543/733.
E um comentário, também publicado com destaque pela revista Science, pode ser lido em: https://science.sciencemag.org/content/372/6543/682.
José Tadeu
Arantes
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/aves-que-dispersam-mais-tipos-de-sementes-tem-maior-chance-evolutiva/36344/