Advogada Viviane
Castro Neves, mestre em Direito do Trabalho, ressalta como mensagens de
celular, telefonemas
ou e-mails fora do horário profissional, se utilizados
de forma equivocada, podem gerar a empresas um passivo trabalhista
Atualmente,
o Brasil possui mais linhas ativas de celular do que habitantes. De acordo com
dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o País chegou, em 2014,
a quase 281 milhões de linhas telefônicas móveis. Em 2016, a Pesquisa Nacional
por Amostragem de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), revelou que o uso de internet via celular havia
ultrapassado, pela primeira vez, o computador tradicional.
Os dados acima refletem como as novas tecnologias e,
principalmente, os aplicativos de comunicação para smartphones,
expandiram exponencialmente o contato virtual entre as pessoas. Dentro do
ambiente corporativo, o movimento
de uso, às vezes indiscriminado, destes meios de
comunicação tem gerado mudanças de paradigma na relação entre as empresas e
seus colaboradores, no que diz respeito ao bom senso de utilização fora do
horário de trabalho para questões que envolvam o dia-a-dia profissional.
Totalmente inseridas dentro das pequenas, médias e
grandes empresas, as novas formas de comunicação têm gerado, ainda que
timidamente, uma preocupação com o chamado ‘Direito à Desconexão’, ou seja, o
de não exigir a permanente conexão dos colaboradores com as atividades e
responsabilidades profissionais, além do horário de trabalho, por meio de
mensagens de celular, aplicativos, sistemas de e-mail, telefone fixo, rádios
comunicadores, entre outros meios, como revela a advogada Viviane Castro Neves,
sócia gestora do escritório Advocacia Castro Neves, Dal Mas e mestre em
Direito do Trabalho. “O Direito à Desconexão não se confunde com o sobreaviso,
com a falta de gozo de 60 minutos do intervalo para refeição e descanso de uma
hora ou da fruição regular de férias. É mais amplo e não possui previsão legal
específica”, diz.
“Atualmente, as empresas devem se preocupar com o
direito à desconexão em razão da utilização indiscriminada dos novos meios de
comunicação e do próprio comportamento dos colaboradores”, esclarece a
especialista. “Na maioria dos casos, não é a empresa e, sim, os próprios
empregados, como indivíduos, que precisam aprender a desconectar-se e a
respeitar o direito de desconexão do outro”, afirma Viviane.
Segundo a advogada, a preocupação com a desconexão dos
colaboradores deve estar na pauta das políticas de gestão de pessoas das
empresas no Brasil. Hoje, já existem algumas ações na Justiça discutindo o
direito à desconexão. “Na maioria dos casos, ocorrendo a violação do direito à
desconexão nos períodos de descanso, os empregados podem alegar que adquiriram
doença profissional e requererem indenizações por dano moral, dano existencial,
horas extras e/ou pagamento em dobro das férias", comenta.
Com
fundamento do princípio constitucional da dignidade da pessoal humana, o
desembargador Dr. Luiz Otávio Linhares Renault, da 1ª Turma do Tribunal
Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais, condenou uma empresa ao pagamento
de R$ 10 mil a título de indenização por dano moral existencial, fundamentando
que: "Viver não é apenas trabalhar; é conviver; é relacionar-se com
seus semelhantes na busca do equilíbrio, da alegria, da felicidade e da
harmonia, consigo própria, assim como em todo o espectro das relações sociais
materiais e espirituais", destacou o julgador, ponderando que quem
somente trabalha dificilmente é feliz. Assim como não é feliz quem apenas se
diverte. "A vida é um ponto de equilíbrio entre trabalho e lazer",
registrou.
Como explica Viviane, o rompimento do direito à
desconexão acontece quando há exigência do empregador no sentido de o empregado
manter-se conectado de forma efetiva, sistemática e reiterada, e o
contato com o profissional se materializa, fora do ambiente e horário de
trabalho, por quaisquer meios de comunicação tecnológicos, como Whatsapp,
telefone fixo, rádio comunicador, acesso remoto de e-mail, etc. “A violação ao
direito à desconexão somente será configurado se ficar comprovado que a empresa
foi omissa ou praticou ato lesivo à vida social do trabalhador, causando-lhe
grave privação da convivência em família e na sociedade, ao exigir de forma
efetiva que o empregado permaneça conectado durante os períodos de descanso, de
forma habitual e repetitiva”, esclarece.
Por
exemplo, se um empregador está de férias, viajando com a família, e faz
parte de um grupo de trabalho da empresa no Whatsapp e eventualmente
comenta ou escreve alguma informação no grupo, não há que se falar na
violação do direito à desconexão, porque tal fato não o impediu de usufruir das
férias e muito menos do convívio social.
Em um mundo cada vez mais conectado, onde a
necessidade de se estar online o tempo todo parece mais latente no
mercado de trabalho, é natural o surgimento de novos desafios na relação entre
empresas e colaboradores. Assim como nas doenças da era moderna no âmbito
pessoal, as de convívio profissional precisam ser observadas. “A questão é de
extrema importância, mas não deve causar alarde desnecessário. Os meios de
comunicação são facilitadores das atividades profissionais e do convívio em
sociedade. É preciso apenas que empregadores e empregados aprendam, juntos,
formas de garantir a desconexão”, explica a advogada. “O principal objetivo é
preservar a saúde física e mental do trabalhador. Relacionar-se e conviver em
sociedade é um dos principais alimentos do bem viver. Muitas empresas já
implantaram políticas internas de prevenção, para orientar e garantir aos seus
empregados a efetiva desconexão em seus períodos de folga”, pontua.
Dicas
para não descumprir o direito à desconexão
·
Políticas de prevenção: A empresa deve se preocupar com o tema e
estabelecer mecanismos e procedimentos para que seja observado o direito à
desconexão;
·
Sistemas de TI: senhas de acesso a bancos de dados, e-mails,
celulares corporativos e outros meios de comunicação que possam ser acessados
fora do horário de trabalho podem ser bloqueadas nos períodos de descanso;
· Política de gestão: imprescindível criar uma comunicação
clara e direta entre os gestores e seus subordinados para que não haja o
desmedido contato com os colaboradores fora do horário de trabalho; Viviane
cita um exemplo simples de orientação para os gestores: um determinado
empregado tem como término do seu horário de trabalho às 18 horas. Seu gestor
envia um e-mail solicitando uma tarefa às 17h55 que demanda quatro horas de
trabalho para a execução, sem exigir um retorno imediato. Neste caso, o
empregado pode sair no seu horário normal de trabalho e, no dia seguinte,
executar a tarefa solicitada. Não há violação do direito à desconexão por parte
da empresa. Contudo, o que vem acontecendo é que o empregado, preocupado em
atender prontamente seu gestor, vai para casa, trabalha quatro horas e envia a
tarefa ao gestor às 23 horas. A empresa não violou o direito à desconexão. Mas,
na prática, o empregado não se desconectou. Para evitar o ocorrido, basta o
gestor colocar no e-mail: "solicito enviar o trabalho amanhã até às 18
horas" ou, ainda, basta programar o envio do e-mail para o dia seguinte,
no horário compatível com a jornada de seu subordinado.
· Plantões: para suprir a ausência do colaborador
no período legal de descanso, a empresa pode criar sistemas de plantões
para emergências, onde somente o plantonista ficará conectado. E nestes casos,
deverá a empresa oferecer a devida compensação ou contraprestação pecuniária a
este profissional.