Quando a mítica biblioteca de Alexandria no Egito foi consumida pelo fogo por volta de 48 a.C, lá estavam alguns dos mais importantes trabalhos de Filosofia, Literatura, Política e Religião até então escritos. Sisógenes, conselheiro da Rainha Cleópatra, olha desolado as chamas e murmura: “Lá estão os originais de Aristóteles, os comentários de Platão, as Tragédias Gregas o Testamento do Deus Hebreu, o Livro dos Livros”. A perda foi inestimável. Foram décadas e talvez até séculos para que a mesma reunião de conhecimentos fosse ajuntada para servir ao projeto de dar civilidade a todos os povos.
O Estado do Espírito Santo passa pela maior crise
desde sua fundação, em 1535. A greve das forças policiais deixou
a população a mercê de si mesma. Mas seria parte da população ela
própria sua igual inimiga? Moradores entregues a toda sorte de arruaças,
pilhagens e saques, como só é possível se ver em locais de
declarada situação de guerra, mostraram como funciona uma sociedade quando
esta não tem um poder a lhe vigiar os caminhos.
As imagens a correr as telas das TVs e dos
telefones celulares são acachapantes; cidadãos
totalmente coléricos, contagiados por estranha e insana alegria furtam e
roubam as lojas das cidades em evidente e lamentável menoscabo pela ordem
pública que parece ser apenas relativa porque, fora da lei, emerge a treva da
barbárie.
Mas quem eram, afinal, os saqueadores? A
resposta é simples e irresoluta.
Os vândalos eram nada menos do que pequenos
e irrefreáveis vereadores, prefeitos e governadores, deputados e senadores
só que sem a caneta do mandato, sem o Congresso Nacional a seu dispor.
Não alcançando as altas esferas políticas, essa parte da população,
que despreza o império da lei, que nos rege e organiza, fez das lojas de rua,
do açougue e da farmácia, o que exata e precisamente fazem nossos nobres
políticos investidos pelo poder que estes mesmos saqueadores lhes outorgaram:
saqueiam sem dó o que lhes não pertencem. Ambos, saqueadores de rua e políticos
desonestos, são coroas da mesma engrenagem.
Não vindos de Marte, os representantes políticos
são este retrato da desordem e do desrespeito à sagrada missão de tratar a
coisa pública com o desvelo que o cargo exige, homenageando a beleza de,
sendo indivíduo, dedicar-se em prol do coletivo. Claro que há o charme
do político, empertigado em ternos italianos, não maltrapilhos como
os já célebres salteadores do Espírito Santo.
A sedução do mal evoca essa
embalagem de fineza para tornar o ato de ludibriar sedoso e gentil, sem a
violência tosca dos pobres-diabos de chinelas.
Não obstante à condenável ação dos à
margem da lei, daí o popular marginal, houve certa melancolia em ver que dentre
todos os estabelecimentos violados, nenhuma uma livraria ou biblioteca
pública figurava dentre as vítimas dos larápios:
- Oba! não via a hora de roubar esse Jorge Amado!
Finalmente tenho meu Monteiro Lobato que meu pai não comprou!
A dúvida que resta é se os sequazes não
invadiram as livrarias por desprezo aos livros ou se simplesmente não
as encontraram, porque escassas. Imagem bem diferente da que vimos em que homens
e mulheres, guiando-se à grande pressa com vestidos, calças, tênis,
sapatos, numa incrível renovação de guarda-roupa.
Por óbvio, a lógica é o
deus deste mundo e, naturalmente, lojas de roupas há muitas,
bibliotecas, pouquíssimas. Este ponto cabe crédito ao grande Machado de
Assis que, atordoado por ver tantas lojas de modas sendo freneticamente
abertas na Rua do Ouvidor e nenhuma livraria, raciocinou com carinho:
- Não admira; poucos leem, mas todos se vestem.
Alex Bezerra de Menezes - escritor
e advogado. autor do livro Depois do Fim
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