Dia
Mundial alusivo à doença, celebrado em 14 de abril, reforça a importância das
ações de vigilância e do diagnóstico precoce
A Doença de
Chagas (DC) ainda é uma importante causa de mortes no Brasil. Por ano, são
registrados, em média, quatro mil óbitos no país. Estima-se que, no mundo, esse
número chegue a 14 mil. Por isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS)
estabeleceu o Dia Mundial da Doença de Chagas, celebrado na próxima sexta-feira
(14), visando conscientizar a sociedade e alertar para a necessidade de
aumentar as ações de vigilância e melhorar a detecção precoce e a atenção
clínica. A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) atua nesse
contexto, com sua rede de hospitais universitários que são referência no
diagnóstico, tratamento e pesquisas relacionadas à enfermidade.
Uma dessas
unidades é o Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), do Complexo
Hospitalar Universitário da UFPA, em Belém (PA), que
dispõe de serviços de infectologia e cardiologia para o acompanhamento de pacientes
nas fases aguda e crônica da doença. O tratamento é garantido pelo Serviço
Único de Saúde (SUS), com uso do medicamento Benznidazol, que é distribuído
pela Secretaria Municipal de Saúde. “A Doença de Chagas é negligenciada e
possui arsenal terapêutico limitado para seu tratamento. Deve-se ressaltar que
o disponível é eficaz no controle da doença e evita complicações futuras”,
afirmou a infectologista e gerente de Atenção à Saúde do HU-JBB, Rita Medeiros.
Segundo a
profissional, em 2006, o Brasil foi considerado livre da transmissão pelo trypanosoma
cruzi principal espécie de vetor. Entretanto, outras espécies de
barbeiros, que não têm hábitos antropofílicos (não dependem da presença humana
para se estabelecer) e são infectados pelo germe, podem contaminar alimentos como o açaí e a cana de açúcar e, por
meio da via oral, infectam humanos. “Essa forma de transmissão é majoritária no
Norte do Brasil, especialmente no estado do Pará, e é a origem dos surtos de doença
de chagas na região”, explicou a infectologista.
Transmissão
e Sintomas
Causada pelo
protozoário trypanosoma cruzi, a DC é transmitida por meio das fezes do
seu hospedeiro, o barbeiro, quando elas entram no organismo humano. A infecção
também pode ocorrer por transfusão de sangue contaminado e durante a gravidez,
de mãe para filho. Soma-se a esse quadro, segundo Relatório Epidemiológico do
Ministério da Saúde, a ocorrência de casos e surtos por transmissão oral pela
ingestão de alimentos contaminados, como caldo de cana, açaí, bacaba e outros.
Segundo o
cardiologista Rodrigo Cunha, do Hospital
das Clínicas do Triângulo Mineiro (HC-UFTM), em Uberaba (MG), que possui um
serviço de atendimento especializado, sete em cada dez pessoas desconhecem sua condição
devido à ausência de sintomas clínicos, que se distinguem conforme sua fase.
Quando aguda, a doença pode provocar febre, dor de cabeça, fraqueza, inchaço e
uma ferida no local da picada. Os órgãos mais afetados são gânglios, fígado e
baço. Já na fase crônica, os pacientes podem ficar assintomáticos por um longo
período ou, em outros casos, apresentar sérios comprometimentos,
principalmente, no coração e no aparelho digestivo.
De acordo com o
médico, na fase aguda e nas formas crônicas da DC, o diagnóstico etiológico
poderá ser realizado pela detecção do parasita, por meio de métodos
parasitológicos (diretos ou indiretos) e pela presença de anticorpos no soro,
sendo que os mais utilizados são: a imunofluorescência indireta (IFI),
hemaglutinação indireta (HAI) e enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA).
“Testes de maior complexidade, como o molecular, utilizando polymerase chain
reaction (PCR), apesar de sua limitação pela ausência de protocolos
padronizados, têm indicação quando os testes sorológicos apresentarem resultado
indeterminado ou para o controle de cura, após o tratamento antiparasitário”,
explica.
Tratamento
O tratamento
deve ser indicado por um médico, após a confirmação da doença. O remédio,
chamado Benznidazol, é fornecido gratuitamente pelo Ministério da Saúde (MS),
mediante solicitação das Secretarias Estaduais de Saúde, e deve ser utilizado
em pessoas que tenham a doença aguda, assim que ela for diagnosticada.
Para as pessoas
na fase crônica, a indicação desse medicamento depende da forma clínica e deve
ser avaliada caso a caso. Em casos de intolerância ou que não respondam ao
tratamento com Benznidazol, o MS disponibiliza o Nifurtimox como alternativa,
conforme indicações estabelecidas em Protocolo Clínico e Diretrizes
Terapêuticas. “Independentemente da indicação do tratamento, as pessoas na
forma cardíaca e/ou digestiva devem ser acompanhadas e receberem o tratamento
adequado para as complicações existentes”, enfatiza Rodrigo.
Prevenção
A melhor forma
de prevenir é combatendo o inseto transmissor, já que não há vacina contra a
Doença de Chagas. A sua incidência está diretamente relacionada às condições
habitacionais e situação de vulnerabilidade, com acesso restrito a cuidados de
saúde, água potável e saneamento. Assim, é importante adotar algumas medidas de
protetivas, principalmente em ambientes rurais: cuidado com a conservação das
casas, aplicação regular de inseticidas, utilização de telas de proteção em
portas e janelas, além de medidas individuais, como o uso de repelente e roupas
de mangas longas.
Hospitais
da Rede Ebserh conduzem pesquisas sobre o tema
O Hospital das
Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG) possui um serviço
especializado de diagnóstico e tratamento aos portadores da doença desde 1978,
o Núcleo de Estudos da doença de Chagas (NEDOCH). Ele é composto pelo
Laboratório de Chagas e o Ambulatório de atendimento ao chagásico, onde são
assistidos mais de seis mil pacientes. No Laboratório de Chagas são
desenvolvidas pesquisas na área com colaboradores de centros nacionais e
internacionais. A instituição possui uma soroteca com mais de 36 mil soros
armazenados em congeladores e câmera fria, muitos conservados há mais de 20
anos. Além disso, participa do Programa de Qualidade dos Bancos de Sangue em
todo o Brasil, gratuito e coordenado pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Em Uberada (MG),
no HC-UFTM, está em andamento um estudo clínico para avaliar a eficácia do uso
de uma medicação, já disponível no mercado, para insuficiência cardíaca e
disfunção ventricular causadas por Doença de Chagas. O objetivo é avaliar a
eficácia da droga no controle especificamente dessa doença. Para isso, o Núcleo
de Estudos Clínicos (NEC) do HC-UFTM está recrutando pacientes com os
diagnósticos acima para participarem da pesquisa. Os interessados podem entrar
em contato com o NEC por meio do telefone (34) 9 9691-9184.
Outras duas pesquisas, com resultados já divulgados, debruçaram-se na busca por novos conhecimentos sobre a doença. O primeiro estudo, publicado na Frontiers in Immunology, revista especializada em ciências da saúde e ciências biológicas, identificou relações entre parâmetros clínicos laboratoriais que possam elucidar novas perspectivas para o prognóstico e o diagnóstico da Doença de Chagas aguda. Diferentes critérios foram mensurados, incluindo hematológicos, bioquímicos (biomarcadores funcionais), inflamatórios (citocinas, infiltrado inflamatório e presença do parasito no tecido cardíaco).
Em outra pesquisa, com participação do HC-UFTM, avaliou-se a
resposta imune de pacientes com Doença de Chagas a um medicamento usado para a
quimioterapia específica da doença. Publicado no periódico científico Infectionand
Immunity, da American Society for Microbiology, o
estudo aponta que a progressão para a forma cardíaca e o agravamento da Doença
de Chagas, 48 meses após tratamento com o medicamento, está associada com uma
maior produção de citocinas inflamatórias, linfócitos T helper 1 (Th1) e menor
quantidade de linfócitos T reguladores direcionados aos antígenos do
Trypanosoma cruzi, protozoário causador da doença.