Estudo publicado na
revista Cell Host & Microbe por pesquisadores brasileiros
e norte-americanos sugere que uma dieta rica em fibras solúveis pode proteger o
intestino contra bactérias patogênicas.
A conclusão se baseia em
experimentos com camundongos expostos à Clostridioides difficile,
que causa inflamação do cólon, diarreia e afeta cerca de 500 mil pessoas por
ano nos Estados Unidos (para o Brasil os dados epidemiológicos são escassos).
“Conseguimos tratar os
camundongos que tinham uma infecção instalada com uma dieta suplementada com
fibra solúvel. Ela é digerida pela microbiota intestinal, que produz compostos
como o acetato. Este inicia uma cascata de interações que leva a uma resposta
imune adequada para lidar com a infecção”, explica José Fachi, primeiro autor do estudo,
conduzido durante seu pós-doutorado na Escola de Medicina da Washington
University em Saint Louis, Estados Unidos.
O trabalho foi uma colaboração
entre a instituição e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os autores
observaram que os camundongos que consumiram uma dieta rica em fibras solúveis
produziram mais acetato no intestino. Esse aumento ajudou a regular a resposta
imune na camada que recobre a parede interna do órgão, conhecida como epitélio,
tornando-a eficaz no combate à bactéria C. difficile.
O acetato é um ácido graxo de
cadeia curta gerado pela digestão de fibras solúveis, um processo realizado
pelas bactérias que vivem no intestino.
No estudo, os camundongos que
receberam uma dieta pobre em fibras produziram pouco acetato. Como resultado,
houve um aumento na expressão de componentes do chamado complexo principal de
histocompatibilidade de classe 2 (MHC-II) no epitélio intestinal. Embora o
MHC-II seja uma molécula essencial na defesa contra infecções, sua produção em
excesso pode causar uma inflamação exagerada, que danifica os tecidos e piora o
quadro dos pacientes.
“É um efeito parecido com o que
acontece na COVID-19 grave, quando a própria resposta imune leva à destruição
de tecidos e mesmo à morte. No nosso trabalho, o consumo de fibras solúveis
regulou essa resposta”, diz Sarah de Oliveira, doutoranda no Instituto de Biologia
(IB) da Unicamp e coautora do artigo.
Oliveira realizou o trabalho
durante estágio de pesquisa realizado na Washington University com apoio da FAPESP.
O trabalho integra o projeto “Análise dos mecanismos moleculares envolvidos na interação
de metabólitos da microbiota e células do hospedeiro durante a inflamação”,
financiado pela FAPESP e coordenado por Marco Vinolo, professor do IB-Unicamp.
Vinolo orienta o doutorado de
Oliveira e orientou o de Fachi, também bolsista.
Bactéria
perigosa
Normalmente adquirida por
pacientes idosos em internação hospitalar e que passaram por tratamento com
antibióticos, a infecção pela bactéria C. difficile causa
diarreias graves, podendo levar à sepse (infecção generalizada) e mesmo à
morte.
Muitas cepas são resistentes
aos medicamentos existentes, o que dificulta o tratamento. No Brasil, os estudos sobre o
tema são escassos, em parte pela pouca disponibilidade de testes, sobretudo na
rede pública.
Nos animais tratados no estudo
com uma dieta pobre em fibras e, portanto, com pouca produção de acetato,
a resposta imune foi exacerbada. As células epiteliais produziram em excesso a
MHC-II, que tem a função de apresentar moléculas de patógenos (antígenos) para
ativar os linfócitos T CD4+, responsáveis por combater infecções.
Entre essas células de defesa,
os linfócitos intraepiteliais (IELs) foram superativados e passaram a liberar
mais mediadores inflamatórios, como o interferon do tipo gama. O excesso dessas
moléculas intensifica a inflamação, causando danos mais graves aos tecidos e
piorando o quadro geral do hospedeiro, podendo levar à morte.
Com os resultados dos testes
com camundongos em mãos, os pesquisadores analisaram biópsias de pacientes que
tiveram a infecção por C. difficile. Da mesma forma que nos
animais, os casos mais graves tinham maior presença de MHC-II e de linfócitos T
CD4+, quando comparado com os menos graves.
“O estudo traz uma compreensão
mais ampla do papel das fibras alimentares no sistema imune. Embora já tenhamos
apresentado a relação entre a produção de ácidos graxos de cadeia curta e a
imunidade em outros trabalhos, dessa vez conseguimos demonstrar um evento
inédito e coordenado entre a microbiota, o epitélio e as células imunes no
combate da infecção”, comenta Vinolo, que coordenou o trabalho com Marco Colonna, da Washington University em
Saint Louis (leia mais em: agencia.fapesp.br/52256 e agencia.fapesp.br/41777).
Os autores reforçam a
importância de uma dieta rica em fibras para a saúde do intestino. As fibras
solúveis contidas em alimentos como frutas, verduras, legumes e cereais
integrais ajudam a prevenir problemas intestinais e podem reduzir o risco de
infecções graves, como a causada pela C. difficile.
“Escolhas alimentares simples,
como incluir mais fibras na dieta, podem fazer uma diferença significativa na
proteção contra infecções intestinais”, encerra Fachi.
O artigo Fiber- and
acetate-mediated modulation of MHC-II expression on intestinal epithelium
protects from Clostridioides difficile infection pode
ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1931312824004840.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/consumo-de-fibras-protege-intestino-contra-infeccao-bacteriana-grave-sugere-estudo/54030
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