Quando você estiver lendo essas linhas, o ano já estará em curso e você já saberá, com relativa precisão, se as promessas que fez em dezembro vão ser cumpridas ou não. Afinal, janeiro é o mês de Janus, o deus com um olhar voltado para frente e outro para trás, secando os olhos das angústias ainda vívidas e sorrindo das perspectivas por vir. O fato é que a esperança é a doença crônica mais comum do ser humano. O mais pessimista, se ainda respira, é porque acredita que tudo ainda pode melhorar.
O problema dos tempos nos quais vivemos é que o horizonte do possível tornou-se algo raro de perscrutar. Antes, a miragem confundia-se com o horizonte. Hoje, o horizonte é a miragem. Olhamos, olhamos, mas só há uma névoa densa e inconstante, alterando-se a todo momento. Até nosso otimismo crônico sofre com esse novo desafio. Afinal, acreditar no quê? No ano passado, acreditamos que os americanos não iriam votar em um candidato que pôs em risco o que parecia ser o mais sagrado princípio da sociedade daquele país: suas Instituições. Pois aconteceu o que aconteceu: uma votação escandalosa, uma vitória insofismável (desta vez com todas as urnas funcionando e nenhuma acusação de fraude ou manipulação). Diante disso, como apresentarmos aos nossos filhos, nossos alunos, um programa ético básico para servir de balizamento para o futuro? "Não minta, não calunie, não ameace, não ignore, não seja preconceituoso, não seja insensível , dinheiro não é tudo, o importante é o Bem Comum”. Como podemos dizer isso com a firmeza de quem sabe que o mundo não vai desmenti-lo? Pobre Aristóteles, como poderia imaginar que viveríamos esse processo de fratura social, essa revolta das elites, com o aplauso entusiasmado de seus súditos, os empreendedores esperançosos de, um dia, alçarem-se a essa posição de total niilismo social e indiferença com os losers. Pois é, será isso que o ano promete?
Ou não. Pois nada impede que refaçamos nossos laços, aprendamos a dar outros tipos de nós, produzamos novas texturas e inventemos novos matizes, misturando expectativas diferentes das que murcharam, perderam o viço. Nancy Fraser, importante pensadora norte-americana, fala muito da integração entre políticas de redistribuição e de reconhecimento e da invenção de um espaço comum para reagendar nossos esforços de luta por uma sociedade melhor, um espaço de paridade social no qual ninguém possa ser discriminado por ser quem é e que nenhuma relação possa ser considerada justa se não garantir o mínimo de dignidade. Uma esperança com quatro passos atrás para tentar ensaiar um passo para frente, só pra variar.
O ano não parece promissor para os jovens, para os pobres, para as mulheres, para os negros, para os que têm consciência ambiental, para as pessoas que precisam do apoio do governo e de suas agências. O ano não parece promissor porque está na moda afirmar que todo mundo é vítima e que quem quiser sair dessa condição tem de fazer por si, sem ajuda de ninguém, tem de ter mentalidade vencedora e tudo o mais que é repetido pelo melhor coach da semana de todos os tempos.
Mas, por outro lado, o ano é promissor para quem sabe que tudo isso é apenas a expressão do homem natural, do homem infantilizado e incapaz de perceber que vive em meio aos outros, que não abre mão de uma suposta liberdade que julga ter por origem e cujo exercício nega qualquer limite ou condicionamento. Como lembrava Hobbes — o primeiro a teorizar sobre esse tipo de gente — uma vida cercada de homens naturais é pobre, infrutífera, sem esperanças.
E, para quem sabe disso, o ano é promissor porque não há nada mais estimulante do que arregaçar as mangas e mudar o mundo, mais uma vez, e tantas vezes quanto for necessário para que a esperança não pereça definitivamente.
Daniel Medeiros - doutor em Educação Histórica e professor de Humanidades no Curso e Colégio Positivo. @profdanielmedeiros
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