A
discussão sobre o Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/24, inserido no contexto
da reforma tributária brasileira, trouxe à tona questões relevantes para o
setor filantrópico do país. Esse segmento, vital para o desenvolvimento social
e a diminuição das desigualdades, poderia enfrentar sérias dificuldades caso
suas especificidades e necessidades não fossem consideradas. A natureza das
entidades filantrópicas, que operam sem fins lucrativos e com a missão de
atender comunidades vulneráveis e de promover bem-estar social, exige uma
atenção particular no desenho de políticas tributárias.
Foram
meses de intensa mobilização do setor filantrópico em busca de sensibilizar
sobre os possíveis impactos da reforma nessa prestação de serviços, mostrando
como essas instituições desempenham um papel crucial nos cuidados de saúde,
educação e assistência social. Atualmente, mais de 365 mil crianças e jovens de
baixa renda são beneficiados com bolsas de estudo, além de 60% dos atendimentos
do SUS serem feitos em hospitais filantrópicos e Santas Casas. São mais de 27
mil instituições sem fins lucrativos que prestam serviços gratuitos em todo o
país, gerando 1,6 milhão de empregos diretos, segundo o Ministério do Trabalho.
A
primeira etapa foi vencida na Câmara, com alterações importantes no texto da
proposta, mas é preciso que agora o Senado também entenda que é essencial
manter esse olhar para o setor sem tornar mais onerosa a operação das
instituições filantrópicas. A filantropia é cláusula pétrea da Constituição
brasileira e ela garante a destinação de recursos aos mais vulneráveis. A
redução dessas garantias iria significar um retrocesso. Entidades que atuam em
áreas cruciais poderiam ser forçadas a diminuir ou até mesmo cessar suas
operações, e o impacto negativo seria imediato, atingindo diretamente as
populações mais vulneráveis.
Ao
buscar simplificar e aumentar a arrecadação, com a proposta original, o governo
iria , inadvertidamente, onerar as organizações filantrópicas. O aumento de
tributos, ainda que indiretos, sobre essas entidades reduziria sua capacidade
financeira, limitando a sua atuação e a oferta de programas essenciais. Em um
cenário onde o Estado já enfrenta dificuldades para atender às demandas sociais,
as organizações filantrópicas são um alicerce indispensável. Assim, impor
maiores tributos sobre essas entidades seria um contrassenso, agravando ainda
mais as desigualdades e a precariedade dos serviços sociais. Essa carga
adicional desviaria esforços e recursos que poderiam ser mais bem empregados em
projetos e serviços comunitários, prejudicando a eficiência e a eficácia das
operações filantrópicas.
Além
disso, precisamos o quanto antes retomar a clareza sobre o futuro das
imunidades, isenções e benefícios fiscais para evitar que isso possa reduzir o
fluxo de doações e investimentos no setor filantrópico, comprometendo sua
sustentabilidade e capacidade de impacto. A previsibilidade e a segurança
jurídica também são fundamentais para o planejamento e para a captação de
recursos em longo prazo. Investidores e doadores, tanto nacionais quanto
internacionais, se sentiriam desencorajados a apoiar organizações que operam em
um ambiente regulatório instável.
É
urgente que os legisladores mantenham suas posições e considerem as
consequências adversas que a eliminação de imunidades, o aumento da oneração
fiscal, a burocratização excessiva e a incerteza jurídica poderiam trazer para
essas organizações que desempenham um papel insubstituível. Qualquer medida que
coloque em risco sua operação e sustentabilidade deve ser reavaliada com o
devido cuidado e responsabilidade.
A
reforma tributária deve, acima de tudo, promover um ambiente que fortaleça e
amplie a capacidade das entidades filantrópicas de continuar seu trabalho vital
na construção de uma sociedade mais igualitária. A questão, desde o início,
sempre foi a busca por um olhar cuidadoso para aqueles que o Estado nem
sempre alcança. E não podemos perder isso de vista.
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