Pesquisa liderada por brasileiros
sugere que mecanismo de exacerbação da doença é diferente do registrado em
contaminações sucessivas somente de dengue; achado é peça importante para
vacina contra zikaTanto o zika quanto o dengue são transmitidos
pelo mosquito Aedes aegypti (foto: CDC)
Pesquisa liderada por
brasileiros demonstra que a infecção prévia por zika aumenta o risco de casos
graves e de internação por dengue contraída na sequência. O achado é uma peça
importante para estudos que buscam uma vacina contra a zika.
Até agora, a literatura
científica destaca que a segunda infecção por qualquer sorotipo de dengue
(atualmente há quatro conhecidos) é predominantemente mais grave do que a
primeira, sem fazer correlação com a outra doença.
Publicado na PLOS Neglected Tropical Diseases, o novo
trabalho, porém, sinaliza que o mecanismo que exacerba a infecção por dengue
após zika é diferente. Em casos de um segundo episódio de dengue há um aumento
de carga viral, com concentrações elevadas de citocinas inflamatórias, o que
não ocorreu com zika.
Os cientistas detectaram outros
marcadores, sugerindo que o aumento da gravidade se dá por ativação de células
T (cuja função é auxiliar a produção de anticorpos). Esse é o chamado
"pecado antigênico original", ou seja, quando células T produzidas
durante uma infecção anterior estimulam a produção de mais linfócitos no
momento em que uma nova infecção acontece. Como não são específicos para
destruir o vírus, eles acabam induzindo uma produção descontrolada de citocinas
inflamatórias que atacam as proteínas e provocam danos aos tecidos do organismo
e até hemorragias.
O estudo analisou amostras de
1.043 pacientes com dengue, com confirmação laboratorial, no ano de 2019 na
cidade de São José do Rio Preto (no interior de São Paulo). Foram investigadas
infecções prévias por zika e dengue.
O município é considerado uma
região hiperendêmica, com características geoclimáticas que favorecem a
circulação de arbovírus (causadores das duas doenças) durante o ano todo. As
maiores epidemias relatadas na cidade ocorreram em 2010, 2013, 2015, 2016 e
2019, quando houve recorde de casos com a recirculação do sorotipo 2 de dengue.
"Vimos que caso prévio por
dengue, neste estudo, não foi um fator de risco para o agravamento porque
acreditamos que os pacientes já estavam em terceira ou até quarta infecção. Já
a infecção prévia por zika foi um fator importante e agravante para um segundo
episódio de dengue. Com isso, sugerimos novos mecanismos e vamos renovando o
conhecimento da história natural da doença”, diz à Agência FAPESP a
médica infectologista Cássia Fernanda Estofolete,
da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) e primeira autora do
artigo.
O trabalho recebeu apoio da
FAPESP por meio de auxílio à pesquisa para
Estofolete, de Bolsa de Pós-Doutorado a Alice Freitas Versiani e
de um Projeto Temático concedido
ao professor da Famerp Maurício Lacerda Nogueira,
autor correspondente do artigo.
“Nossos resultados comprovam os
obtidos em um estudo anterior, realizado com
crianças que tiveram zika na Nicarágua. Depois, quando elas tiveram dengue, o
risco aumentou para casos graves. Mostramos que isso ocorre em adultos também
no Brasil. E o segundo achado é que o ADE [sigla em inglês para antibody-dependent
enhancement ou amplificação dependente de anticorpos] não é clássico.
Isso cria um questionamento sobre o tipo de vacina de zika que deve ser usado e
qual o melhor momento. Seria aplicada juntamente com a vacina de dengue para
não criar a situação de uma depois da outra, por exemplo? São possibilidades
para entender como prescrevê-las. Mas, no Brasil, ainda continua sendo mais
importante vacinar primeiro para dengue pelo número de casos", explica
Nogueira.
O ADE a que o professor se
refere acontece quando os anticorpos produzidos por uma infecção anterior, em
vez de neutralizar completamente um vírus na infecção subsequente, acabam
facilitando a entrada deles em células do organismo, agravando a infecção.
Notificações
O Brasil já superou neste ano o
número de casos de dengue de 2022, com 1,372 milhão de notificações, dos quais
1 milhão foi confirmado entre janeiro e julho (último boletim disponível). São
Paulo e Minas Gerais são os Estados mais afetados, segundo o Ministério da Saúde.
Em relação à zika, são 4.773
casos prováveis neste ano no país, dos quais 1.725 confirmados, com Bahia e Rio
Grande do Norte com maior número de registros. Epidemiologistas apontam que, em
geral, há subnotificações de casos de arboviroses, seja pela dificuldade de
detectá-los ou porque os sintomas podem ser leves e as pessoas nem sequer
procuram os serviços de saúde.
Em 2016, quando o mundo viveu
surtos da doença, o Brasil teve mais de 1,5 milhão dos 2,38 milhões de
confirmações nas Américas. Em 2019, a América do Sul registrou uma epidemia de
dengue com mais de 3,13 milhões de casos notificados e quatro anos após o
surgimento do vírus da zika (ZIKV, do gênero Flavivirus) no
continente.
Em março deste ano, a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou uma vacina contra a dengue de
fabricante japonesa, que atualmente está disponível na rede particular de
saúde. O Instituto Butantan também está desenvolvendo um imunizante. Para
zika, há estudos, porém, em etapas anteriores.
Além de serem transmitidas pelo
mesmo mosquito (Aedes aegypti), as duas doenças apresentam sintomas
semelhantes, muitas vezes dificultando o diagnóstico. A dengue é mais grave
porque, além de causar febre, dores no corpo e de cabeça, manchas na pele e
indisposição, pode provocar hemorragias, levando à morte.
Já a zika provoca sintomas mais
leves, porém, causa sérios problemas em gestantes e seus bebês, como a
microcefalia, também podendo estar relacionada a uma síndrome neurológica que
causa paralisia, a síndrome de Guillain-Barré.
Especialistas vêm destacando
que as temperaturas mais altas decorrentes das mudanças climáticas estão
fazendo com que doenças transmitidas pelo Aedes se proliferem
até mesmo para regiões mais frias. Além disso, o desmatamento contribui para
agravar o quadro, já que florestas ricas em biodiversidade tendem a inibir o
mosquito transmissor com maior número de predadores da espécie. Método
As amostras de pacientes com
infecção confirmada foram avaliadas quanto ao histórico para os vírus da dengue
e de zika usando um ensaio imunoenzimático (do tipo Elisa) desenvolvido em
parceria com o pesquisador Lee Gehrke, do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (Estados Unidos). O ensaio foi pensado especificamente para
eliminar a reatividade cruzada entre Flavivirus observada nos
kits comerciais disponíveis no mercado.
As análises mostraram que
pacientes com histórico de infecção por zika tinham um risco 2,34 vezes maior
de desenvolver formas graves de dengue e risco 3,39 vezes maior de internação
em comparação aos controles (indivíduos sem histórico de dengue ou zika). Além
disso, pacientes com idade acima dos 59 anos também apresentaram mais risco.
Há anos estudando o tema, o
grupo coordenado pelo professor Nogueira publicou em 2021 um trabalho mostrando
que a infecção prévia por dengue não aumenta o risco de uma gestante infectada
pelo zika dar à luz um bebê com microcefalia (leia mais em: agencia.fapesp.br/ 35942).
Agora, Estofolete iniciou uma
nova etapa da pesquisa, ampliando as amostras para casos de 2022, com sorotipo
diferente. “A ideia não é só responder sobre a gravidade, mas saber se esse
mecanismo detectado é igual para todos os sorotipos de dengue porque isso tem
outras influências, até mesmo em mecanismos relacionais. Temos pouco
conhecimento acumulado em relação à vacina de zika”, afirma a infectologista.
O artigo Influence of
previous Zika virus infection on acute dengue episode pode ser lido
em: https://journals.plos.org/plosntds/article?id=10.1371/journal.pntd.0011710.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/infeccao-previa-por-zika-eleva-risco-de-caso-grave-ou-internacao-por-dengue-na-sequencia-conclui-estudo/50346
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