Assim como outros meses dedicados à conscientização de diversas doenças, agosto também tem cor. Anualmente, desde 2014, profissionais da saúde, pacientes e familiares evocam o laranja para difundir conhecimento sobre a Esclerose Múltipla (EM), graças à iniciativa da ONG Amigos Múltiplos pela Esclerose, abraçada por entidades médicas como a Academia Brasileira de Neurologia. Ana Claudia Piccolo, vice-coordenadora do Departamento Científico de Neuroimunologia (DCNI) da ABN, fala sobre a enfermidade e as ações que serão promovidas ao longo do mês.
“A
Esclerose Múltipla é uma doença autoimune inflamatória e desmielinizante do
sistema nervoso central que acomete principalmente pessoas jovens e brancas, em
especial mulheres em idade fértil, na segunda, terceira década de vida. Seu
processo inflamatório, que dificulta a comunicação entre o cérebro e o corpo,
causa perda de equilíbrio, mobilidade, visão e alteração urinária, por
exemplo”, explica.
Mulheres, lembra a neurologista, são mais propensas a
desenvolver doenças autoimunes - tanto a EM quanto as reumatológicas. No
entanto, a Esclerose Múltipla também pode se manifestar em homens, pacientes
mais velhos e crianças de todas as etnias.
“Embora não seja possível se prevenir, sabemos, a partir
de pesquisas, que determinados hábitos e condições fazem crescer a chance de
aparecimento da doença: a exposição ao vírus da mononucleose, o EBV (Vírus
Epstein-Barr); os baixos níveis de vitamina D; o tabagismo; a obesidade
infantil; e todo tipo de situação que aumente as substâncias inflamatórias e a
estimulação do sistema imune. Uma vida mais saudável, portanto, além de evitar
males mais corriqueiros, pode afastar a Esclerose Múltipla.”
Nos últimos anos, com os avanços científicos, os
pacientes têm vivido um momento auspicioso. Há muitas moléculas novas
disponíveis, como os anticorpos monoclonais e os medicamentos administrados por
via oral que atuam no sistema imunológico, controlando a resposta inflamatória
acentuada da EM. Pensava-se que tais medicamentos poderiam elevar os riscos de
câncer e de infecções graves, mas grande parte deles se provou segura. “Fazendo
o tratamento precocemente, com a medicação correta, é possível controlar não
apenas os surtos, mas a própria atividade inflamatória que a ressonância
avalia”, celebra a dra. Ana.
“Conseguimos postergar ou evitar a progressão da doença,
algo que décadas atrás, com os tratamentos disponíveis, era quase impensável;
apesar de controlarmos os surtos, em algum momento o indivíduo começava a
piorar, apresentando retenção urinária, tendo que aderir à bengala ou à cadeira
de rodas pelo comprometimento da margem do equilíbrio. Era a chamada forma
progressiva, que se estabelecia após 10, 15 anos de doença. As perspectivas são
bem melhores hoje. Uma mulher já pode engravidar, dar à luz e amamentar seu
filho com toda a segurança. Progredimos bastante.”
Identificar fatores de melhor ou pior prognóstico e
escolher a medicação é a nova forma de tratar a EM. “É a chamada medicina de
precisão, que leva em conta o perfil de gravidade da doença, a preferência do
paciente e individualiza a terapia”, pontua a médica. Para facilitar o desenho
do tratamento mais adequado a cada um, ela pondera que ainda é preciso
incorporar ao menos uma ou duas moléculas aos Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas (PCDT) do SUS e da saúde suplementar.
“Nosso desafio na ABN – e é o que estamos fazendo em 2023
– consiste em atualizar os protocolos para demandar na Comissão Nacional de
Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC) que eles sejam
mais robustos. De todo modo, é preciso deixar claro que os avanços são
numerosos.”
“Os protocolos do SUS passaram por uma mudança essencial
no fim de 2021, incorporando o critério diagnóstico para doença agressiva
altamente ativa e já incorporando também medicamentos, anticorpos monoclonais,
drogas infusionais que colaboram com o tratamento dos pacientes. Vivemos em um
tempo no qual as pessoas têm escolhas e podem viver bem. Agora precisamos de
neurologistas cada vez mais treinados para diagnosticar a doença o quanto
antes.”
Segundo a dra. Ana, o Agosto Laranja é fundamental para a
população, que entra em contato com informações sobre a EM e entende que deve
procurar atendimento médico ao identificar sintomas como tontura, comprometimento
motor e visão comprometida, além de compreender que o diagnóstico não é uma
sentença, e ainda para os profissionais, que têm a oportunidade de se atualizar
e acolher melhor os pacientes.
Vem aí
Em 25 e 26 de agosto, no Rio de Janeiro, o Encontro de Atualização
em Esclerose Múltipla, promovido pelo DCNI, reunirá médicos renomados em
palestras, debates e apresentações de trabalhos científicos sobre os temas EM
altamente ativa x EM grave; biomarcadores disponíveis; síndrome radiológica
isolada; reconhecimento precoce e avanços no tratamento da progressão da EM;
gestação, amamentação, climatério, reposição e estimulação hormonal; EBV: suas
implicações na EM, vacina e tratamento; EM de início precoce e início tardio; e
declínio cognitivo na EM.
Um webinar no dia 30 coroará as discussões sobre o tema na Academia. Especialistas palestrarão a respeito da importância de cuidar das comorbidades das pessoas com Esclerose Múltipla, de tratamentos disponíveis, envelhecimento saudável e qualidade de vida.
Vale lembrar que até o dia 14, na próxima segunda-feira,
está aberta uma consulta pública que avalia a inclusão de uma nova opção de
tratamento para a doença do SUS. Milhares de pacientes podem ser beneficiados.
Todos com mais de 18 anos podem contribuir, votando “favorável” ou
“desfavorável” no site da CONITEC. Basta acessar gov.br/participamaisbrasil/consulta-publica-conitec-sectics-n-27-2023-opiniao-cladribina-oral-para-tratamento-de-pacientes-com-esclerose-multipla-remitente-recorrente-altamente-ativa
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