Pandemia diminuiu
número de exames de diagnóstico no país, essenciais para detecção precoce da
doença e redução da mortalidade
Em todo o mundo, os tumores de intestino - que
abrangem aqueles que se iniciam tanto na parte do intestino grosso chamada
cólon como em sua porção final, no reto e ânus - é responsável por cerca de 10%
de todos os diagnósticos de câncer no mundo, com 1,9 milhão de novos casos
anuais e 935 mil mortes, segundo o levantamento Globocan, da Organização
Mundial da Saúde (OMS).
Esse alerta para a sociedade em geral ganha um
reforço neste mês, que marca a campanha Setembro Verde, voltada à promoção do
cuidado e à prevenção da condição. No Brasil, de acordo com o Instituto
Nacional de Câncer (INCA), a doença ocupa o segundo lugar em volume de
incidência, excluindo o câncer de pele não melanoma, em homens e mulheres,
ficando atrás apenas das neoplasias de próstata e mama, respectivamente. A
entidade estima que ao longo de 2023 serão identificados 45.630 novos casos de
tumores de intestino.
O tumor colorretal se desenvolve no intestino
grosso: no cólon ou em sua porção final, o reto. O principal tipo de tumor
colorretal é o adenocarcinoma e, em 90% dos casos, o tumor se origina a partir
de pólipos na região que, se não identificados e tratados, podem sofrer
alterações ao longo dos anos, podendo se tornar cancerígenos. A principal forma
de diagnóstico e prevenção é através do exame de colonoscopia, em que um
tubinho flexível com uma câmera na ponta é introduzido no intestino e faz
imagens que revelam se há presença de possíveis alterações, permitindo,
inclusive, remoção de pólipos e biópsias de lesões suspeitas. No Brasil, o
Ministério da Saúde recomenda iniciar o rastreio do câncer de cólon e reto da
população adulta de risco habitual na faixa etária de 50 anos - mas muitos
países já reduziram para 45 anos de idade.
“Grande parte dos tumores de intestino aparece a
partir dos chamados pólipos, que são lesões benignas que crescem na parede
interna do órgão, mas que se não identificadas preventivamente podem evoluir e
se tornarem malignas com o passar do tempo. Após os 50 anos de idade, a chance
de apresentar pólipos aumenta, ficando entre 18% e 36%, o que consequentemente
representa um aumento no risco de tumores malignos decorrentes da condição a
partir dessa fase da vida e por isso ela foi estabelecida como critério para
início do rastreio ativo. Além de detectar esses pólipos, a colonoscopia
permite que eles sejam retirados, o que funciona como mais uma forma de
prevenir o câncer”, explica a oncologista Renata D’Alpino, co-líder da
especialidade de tumores gastrointestinais e neuroendócrinos do Grupo
Oncoclínicas.
Ela lembra que pessoas com histórico pessoal de
pólipos ou de doença inflamatória intestinal, como retocolite ulcerativa e
doença de Crohn, bem como registros familiares de câncer colorretal em um ou
mais parentes de primeiro grau, principalmente se diagnosticado antes de 45
anos, devem ter atenção redobrada e realizar controles periódicos antes da
idade base indicada para a população em geral. E alerta: quando descoberto em
fase inicial, o câncer colorretal tem taxa de cura acima de 90%.
Ainda assim, a médica afirma que há muitos tabus
que cercam o rastreio preventivo do câncer colorretal, o que contribui para a
baixa adesão ao controle precoce da doença mesmo entre pessoas que fazem parte
do grupo com risco aumentado. “Muitas vezes, o tumor só é descoberto tardiamente,
diante de sintomas mais severos, como anemia; constipação ou diarreia sem
causas aparentes; fraqueza; gases e cólicas abdominais; e emagrecimento. Apesar
do sangue nas fezes ser um indício inicial de que algo não vai bem na saúde,
muitas pessoas costumam creditar essa ocorrência a outras causas convencionais,
como hemorróidas, e acabam postergando a busca por aconselhamento médico e a
realização de exames específicos. Isso faz com que muitas pessoas só descubram
o câncer em estágios avançados", diz Renata D’Alpino.
Incidência cresce entre jovens
adultos
Para a oncologista da Oncoclínicas, outro ponto de
grande relevância no combate ao câncer de intestino é o estabelecimento de uma
recomendação mais clara para triagem de casos assintomáticos, quando não há
sinais de sintomas clássicos que podem levantar suspeitas - caso de
sangramentos corriqueiros visíveis nas fezes - entre a porção da população com
menos de 50 anos. Entre as ações possíveis, ela destaca uma iniciativa liderada
pela US Preventive Services Task Force que considera que testes menos invasivos
poderiam ser iniciados precocemente e repetidos com intervalos menores em
comparação à colonoscopia. Além disso, prevê mudar a idade de rastreamento para
os 45 anos, devendo ser repetido a cada 5 anos em caso de resultados normais,
como já vem sendo sugerido desde 2019 pela American Cancer Society (ACS).
“Nos EUA o debate sobre uma possível mudança de
protocolo, passando a adotar a idade de 45 anos como remendada para o início do
rastreio periódico, está sendo baseada na avaliação de centenas de
levantamentos e ensaios clínicos que levam em conta o perfil de pessoas
assintomáticas na faixa etária acima dos 40 anos. Uma forma possível de ampliar
as chances de prevenção seria a indicação de pesquisa das fezes, por meio de
testes imunoquímicos e testes de sangue oculto fecais em pessoas mais jovens e
que não apresentam mudanças de saúde perceptíveis. De acordo com os resultados,
havendo achados suspeitos, a colonoscopia seria então realizada”, ressalta a
especialista.
Um dos estudos científicos que embasam a
argumentação foi publicado no Journal of the National Cancer Institute e
realizado nos Estados Unidos de 1974 até 2014. A análise mostrou que nas
pessoas entre 20 a 39 anos de idade, por exemplo, o número de casos novos de
câncer de intestino vem crescendo anualmente, entre 1% e 2,4%, desde a década
de 1980. Já os casos de câncer de reto, nas pessoas entre 20 e 29 anos de
idade, tiveram um aumento anual médio de aproximadamente 3,2%, desde 1974.
“Em grande parte, esses resultados apontam para uma
consequência de hábitos de vida menos saudáveis, com maior taxa de sedentarismo
e consumo de alimentos ultraprocessados como refrigerantes, salgadinhos e
enlatados. A predisposição genética conta como risco, mas não podemos esquecer
que há outros fatores que podem contribuir para o surgimento da doença, tais
como obesidade, sedentarismo, dieta rica em carnes vermelhas, tabagismo e
alcoolismo. E esses são fatores que fazem parte da ‘vida moderna’ e ajudam a
desvendar as razões pelas quais devemos reforçar a conscientização sobre os
impactos das nossas decisões pessoais no crescimento de casos de câncer - e não
apenas do colorretal”, finaliza Renata D’Alpino.
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