in vitro foram feitos no Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos da USP; cientistas usaram peptídeo sintético inspirado em molécula secretada pela bactéria Lactobacillus plantarum
A eficácia dos antibióticos é
um problema que alarma a comunidade médica e científica, não sendo raro
encontrar bactérias resistentes a três tipos diferentes de medicamentos
(chamadas multidroga resistentes, ou MDR), ou até mesmo a todos os tratamentos
disponíveis na atualidade (pandroga resistentes, PDR). Elas estão associadas a
infecções perigosas e são listadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como
patógenos prioritários para a busca de novos fármacos, com a máxima urgência.
Estudo publicado em edição especial da
revista Antibiotics destaca um composto com atividade
antibacteriana que apresentou resultados promissores nos testes in
vitro, dentro da primeira hora de ação. A pesquisa, financiada pela FAPESP,
foi liderada por Ilana Camargo e
conduzida durante o doutorado de Gabriela Righetto no
Laboratório de Epidemiologia e Microbiologia Moleculares (LEMiMo) do Instituto
de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP).
“Trata-se de um novo peptídeo,
denominado Pln149-PEP20, que possui arcabouço molecular planejado para melhorar
a atividade antimicrobiana, com baixa toxicidade. Os resultados podem ser
considerados promissores à medida que foram usadas nos testes bactérias
patogênicas associadas a infecções multirresistentes em todo o mundo”,
explica Adriano Andricopulo,
um dos cientistas que assinam a publicação.
A busca por novos fármacos
antibacterianos, apesar de extremamente necessária, tem sido pouco observada
pela indústria farmacêutica, principalmente por causa das dificuldades de
pesquisa, com longo período e alto custo para obter um composto ativo viável
para ser colocado no mercado. O Centro de Pesquisa e Inovação em
Biodiversidade e Fármacos (CIBFar)
tem entre seus objetivos encontrar moléculas que possam combater essas
bactérias multidroga resistentes.
Camargo e Andricopulo são
pesquisadores do CIBFar, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da
FAPESP, assim como outros dois pesquisadores que assinam o trabalho e que se
dedicam a estudar compostos bactericidas promissores, Leila Beltramini e José Luiz Lopes. Há
mais de uma década o grupo formado pela colaboração entre Beltramini e Lopes
analisa a Plantaricina 149 e seus análogos. Um dos primeiros trabalhos da
equipe, em 2007, mostrou que o peptídeo é capaz de inibir bactérias patogênicas
como Listeria sp. e Staphylococcus sp.. A partir
daí, passaram a estudar análogos sintéticos [moléculas com pequenas diferenças
estruturais] que tivessem atividade bactericida melhor que a do peptídeo
original, ou seja, causando maior dano à membrana dos microrganismos que devem
combater.
Bactérias do gênero Lactobacillus
plantarum são amplamente distribuídas na natureza e produzem
substâncias chamadas plantaricinas, que combatem outras bactérias. São
frequentemente usadas na fermentação de vegetais, produtos derivados de carne,
leite e embutidos. No caso da Plantaricina 149, o primeiro relato da ação
bactericida foi feito em 1994, por pesquisadores japoneses e, desde essa época,
há interesse em obter derivados sintéticos mais eficientes.
Righetto, com apoio de bolsa da
FAPESP, sintetizou 20 análogos derivados da Plantarina 149 até encontrar a nova
substância, que mostrou os melhores resultados até o momento e, ainda, é 50%
menor do que o peptídeo original. “Os principais pontos da pesquisa constituem
tanto no desenvolvimento da molécula menor, mais ativa e menos tóxica, quanto
caracterizar sua ação e sua propensão no desenvolvimento de resistência. A
molécula se mostrou muito promissora in vitro, sendo ativa contra
bactérias de linhagens multidroga resistentes e extensivamente resistentes”,
ressalta Camargo, orientadora do trabalho.
O LEMiMo, onde os estudos foram
feitos, é um laboratório com experiência em caracterização de isolados
bacterianos envolvidos em surtos em hospitais e, por isso, conta com uma
coleção de bactérias selecionadas para esses testes em busca de novos compostos
ativos. Esses microrganismos possuem os perfis de resistência mais preocupantes
da atualidade, foram isolados durante surtos em hospitais e são conhecidos
pelo acrônimo “ESKAPE” na comunidade científica.
Agora, novos estudos podem ser
feitos tanto para investigar mais a fundo o mecanismo de ação da molécula
quanto para buscar formulações e se aproximar de uma possível aplicação. “Em termos
de mecanismo de ação, ainda é possível usar a morfologia celular bacteriana
para identificar vias celulares afetadas pelo peptídeo. Quanto à otimização, é
possível tanto funcionalizar a molécula, ligando-a com macroestruturas, quanto
modificar novamente a sequência de aminoácidos”, diz Righetto. Há também a
necessidade de investigações sobre a citotoxicidade e determinação do índice de
seletividade, que indica se uma molécula afeta ou não as células saudáveis.
“Vivemos tempos de grandes
ameaças à saúde pública mundial por causa da escassez de antimicrobianos para
tratar infecções causadas por bactérias extremamente resistentes. Os peptídeos
antimicrobianos são alvos de grande interesse para o desenvolvimento de novos
candidatos a fármacos. Esta nova molécula tem potencial para ser usada como uma
inovadora terapia antimicrobiana, mas novas modificações e otimizações
moleculares ainda precisam ser investigadas”, ressalta Andricopulo.
A investigação também envolveu
o Infectious Disease Institute da Harvard Medical School, em Boston (Estados
Unidos), por meio dos pesquisadores Paulo José Martins Bispo e Camille André.
O artigo Antimicrobial
Activity of an Fmoc-Plantaricin 149 Derivative Peptide against
Multidrug-Resistant Bacteria pode ser lido em: www.mdpi.com/2079-6382/12/2/391.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/composto-combate-bacterias-resistentes-em-menos-de-uma-hora/44713
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