Em sessão virtual realizada no dia 21 de agosto de 2023, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que atos praticados contra pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ podem ser enquadrados como injúria racial. A decisão se deu no bojo de Embargos de Declaração contra acórdão do Mandado de Injunção nº 4.733, impetrado pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), que teve como objetivo justamente estender a aplicação do crime de injúria racial a todos os casos de ofensas a vítimas LGBTQIAPN+.
Para explicar melhor o caso, A Constituição Federal determina no seu artigo 5º, inciso XLI, que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, ficando a cargo do Poder Legislativo editar normas que vedem e criminalizem “qualquer tipo de discriminação”.
No entanto, a atual Lei de Racismo (Lei nº 7.716/89) prevê apenas crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, silenciando sobre os casos de discriminação ou preconceito contra pessoas da comunidade LGBTQIAPN+, em razão da orientação sexual ou identidade de gênero.
Em razão dessa omissão legislativa, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) impetrou Mandado de Injunção com objetivo de se determinar ao Poder Legislativo que edite normas sobre a matéria omitida, e, enquanto isso não ocorre, que o Poder Judiciário Equipare os atos de discriminação ou preconceito contra pessoas da comunidade LGBTQIAPN+ como racismo.
No caso, o pedido foi acolhido pelo Supremo Tribunal Federal para determinar que, até que o Congresso Nacional legisle a respeito da omissão apontada, considera-se equiparada a injúria racial a ofensa realizada contra pessoas da comunidade LGBTQIAPN+.
Observamos que a posição adotada pelo Supremo é a da chamada “posição concretista direta”, em que “a concessão da ordem no Mandado de Injunção ‘concretiza’ o direito diretamente, independentemente de atuação do órgão omisso (Poder Legislativo), até que a norma venha a ser regulamentada” (LENZA, 2017). Com essa posição, o STF “cura” automaticamente a inefetividade legislativa.
Vemos como acertada a decisão do STF. Em que pese vigore o princípio de reserva legal no Direito Penal Brasileiro (que estabelece que apenas lei formal pode criar tipos penais), é certo que o ordenamento jurídico permite que o Poder Judiciário supra omissões legislativas que impeçam o exercício dos direitos e liberdades constitucionais (vide artigo 2º, caput, da Lei nº 13.300/16), como no caso em questão.
Ressaltamos, no entanto, que decisões do Poder Judiciário que tenham como objetivo suprir omissões legislativas - especialmente as que criem ou estendam a aplicação de tipos penais - devem respeitar estritamente a sistemática constitucional e visar sempre obter o cumprimento de mandados constitucionais de criminalização (deveres impostos pela Constituição Federal ao Legislador de criminalizar determinadas condutas), como, por exemplo, a do artigo 5º, inciso XLI, já citada anteriormente. Caso não se respeite esta dinâmica, o Judiciário estaria praticando o tão criticado ativismo judicial, invadindo atribuições que não lhe competem.
Portanto, entendemos como um acerto do Poder Judiciário a
extensão da aplicação da Lei de Racismo (e consequentemente do crime de injúria
racial) aos casos de atos ofensivos praticados contra a comunidade LGBTQIAPN+,
em razão da orientação sexual ou identidade de gênero, enquanto o Poder
Legislativo não cumpra com seu dever constitucional de legislar sobre a matéria
Juliano Callegari Melchiori - criminalista, sócio do Prado
& Callegari Advogados
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