São 17 anos da lei que tem como objetivo proteger as mulheres que sofrem violência doméstica; as advogadas do Martins Cardozo Advogados, Mayra Cardozo e Poliane Almeida, falam sobre as mudanças e o futuro da lei
Neste mês de agosto comemora-se os 17 anos da Lei Maria da Penha, um marco importante por adicionar a qualificadora de “violência doméstica” nos crimes de lesões corporais, previstos no Código Penal. Essa lei se mostra cada vez mais necessária na realidade atual - para se ter ideia, em 2022, o Brasil contou com 1,4 mil mulheres mortas por feminicídio. Os dados do Monitor da Violência, do portal G1 e do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP) apontam que são uma morte a cada 6 horas, em média. Este número é o maior registrado no país desde que a lei de feminicídio entrou em vigor, em 2015.
Para
Mayra Cardozo, sócia da Martins Cardozo Advogados e advogada especialista em Direitos Humanos e Penal, que
trabalha com casos pró bono para o Instituto Maria da Penha, é importante
entender que a Lei Maria da Penha não criou um crime de violência doméstica.
“Ela impulsionou a inclusão no CP de um patamar de pena mais rígido nos casos
de lesões corporais qualificadas por violência doméstica. Além disso, foi
propulsora dos juizados especializados de violência doméstica contra a mulher e
proibiu, em casos de violência doméstica, a sanção pecuniária. Institui as
medidas protetivas, e especificou as formas que podem se dar a violência contra
mulher”, explica.
Para além da sua relevância em âmbito nacional, o caso da Sra. Maria da Penha viabilizou a exposição da pauta da violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil também internacionalmente. “A principal importância da lei pode ser traduzida em um conjunto de grandes marcos para o direito das mulheres, tais quais a criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e as importantes alterações legislativas que tornou possível a alteração das sanções relacionadas à violação aos direitos das mulheres também na esfera penal”, comenta Poliane Almeida, advogada e Sub-Coordenadora do Núcleo de Direito e Gênero do escritório Martins Cardozo Advogados, que atua em casos pró bono para o Instituto Maria da Penha.
Abaixo, confira alguns mitos e verdades sobre a Lei Maria da Penha:
1. A
Lei Maria da Penha não faz diferença
MITO. “Precisamos entender que, desde a sua criação, a lei tem
sido uma ferramenta fundamental para combater a violência doméstica e garantir
a segurança e o bem-estar das vítimas. Além de aumentar as punições para
agressores, a lei também estabelece medidas de proteção que podem incluir o
afastamento do agressor da casa da vítima, a proibição de se aproximar da
vítima ou de seus familiares e a garantia de assistência jurídica e social às
vítimas. Embora ainda haja muito a ser feito para erradicar a violência contra
as mulheres, a Lei Maria da Penha é um importante passo na direção de uma
sociedade mais justa e igualitária”, mostra Mayra.
2. A
lei já passou por mudanças conforme os anos
VERDADE.
“Desde 2017, a Lei Maria da Penha tem
tido importantes alterações, mas pode-se citar a Lei 13.505, que dispôs que
mulheres em situação de violência doméstica e familiar devem ser atendidas
preferencialmente por policiais e peritos do sexo feminino; a Lei 13.641, que
dispõe sobre a qualificação de crime em caso de descumprimento de medidas
protetivas de urgência, e, mais recentemente, a alteração relacionada a medida
protetiva de urgência que permite o afastamento do agressor do local de
convivência com a vítima mesmo antes de autorização judicial”, lista Poliane.
3. A
Lei Maria da Penha não se aplica para mulheres transgêneros
MITO. “Em 2022, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a
Lei Maria da Penha é aplicável a mulheres transgêneros. O Ministério Público
Federal defendeu o direito da mulher transexual às medidas protetivas com base
na lei Maria da Penha, independentemente de ter sido submetida a cirurgia de
transgenitalização. Essa decisão do STJ foi importante não só para a questão da
luta das mulheres trans, mas também para que o Brasil se alinhe com os paradigmas
internacionais dos Direitos Humanos. Além de representar uma vitória na luta
dos direitos humanos, esse posicionamento representa um alinhamento do Brasil
em relação às diretrizes jurisprudenciais internacionais com sistema regional
de proteção dos direitos humanos”, entende Mayra Cardozo.
4. A
aplicação da Lei ainda pode melhorar
VERDADE.
“Embora a Lei Maria da Penha seja um
marco histórico indiscutível no avanço da luta pelo direito das mulheres, ainda
há um grande problema, de teor estrutural e cultural, em que a lei não é
suficiente para solucionar: a dificuldade da vítima em expor sua violência e
seu agressor. Isto ocorre devido a várias razões. O medo de retaliação, o
constrangimento, a dependência econômica, a falta de preparo dos profissionais,
o desmerecimento e o descrédito da sociedade são algumas dessas causas que
envolvem o grande problema da subnotificação. Além da falta de informação quanto aos números reais das
agressões - o que implica na dificuldade de combate à violência doméstica -, o
despreparo dos profissionais ao lidar com as vítimas é evidente. Contudo, a Lei
nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, é completa e potente para criar e assegurar
mecanismos de proteção de mulheres que se encontram em contexto de violência
doméstica, entretanto, a estrutura social e patriarcal da sociedade ainda
apresenta demandas que apenas a legislação não seria capaz de solucionar por si
só”, finaliza a advogada Poliane Almeida.
Mayra Cardozo e Poliane Almeida
Mayra Cardozo - sócia da Martins Cardozo Advogados e advogada especialista em Direitos Humanos e Penal, também é mentora de Feminismo e Inclusão e líder de empoderamento. Poliane Almeida também é advogada e Sub-Coordenadora do Núcleo de Direito e Gênero do escritório Martins Cardozo Advogados Associados. Mestranda em Filosofia do Direito pela PUC-SP e especialista em Direito e Gênero. É Prof. Assistente de Direito Administrativo na PUC-SP, nas turmas em que são titulares os Profs. José Eduardo Cardozo e Márcia Pelegrini. É integrante do Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais – CBEC e da Comissão de Igualdade Racial da OAB-DF.
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