As seis lições, livro que reúne palestras ministradas por Mises na Argentina em 1959,
traz ensinamentos que governos e pessoas ao redor do mundo deveriam estudar. Ao
longo de seis capítulos, Mises aborda temas como capitalismo, socialismo,
intervencionismo, investimento estrangeiro, inflação, política e ideias.
Obviamente, é impossível dissociar cada um desses temas, dado que as ações
políticas e econômicas geram diversas consequências em cadeia. Após dois anos
de pandemia e com uma guerra em curso, podemos dizer com certeza que o papel do
governo está sendo repensado em todas as nações. Portanto, o momento é oportuno
para refletirmos sobre as lições de Mises.
O principal ponto de discussão hoje talvez seja a
inflação. Países desenvolvidos como os Estados Unidos, o Reino Unido, a Alemanha
etc. não enfrentavam esse problema há tempos. Até o início de 2020, estávamos
vivendo a era dos juros baixos, o que só era possível porque a inflação estava
sob controle/dentro da meta. Naquele ano, porém, teve início em todo o mundo a
pandemia do COVID19 que levou países inteiros a realizarem lockdowns,
ou seja, o fechamento total das economias e o isolamento das pessoas dentro de
suas casas. O primeiro impacto que podemos citar dessas medidas é a crise das
cadeias de suprimentos, dado que várias fábricas pararam de produzir e o
transporte dentro – e entre – países foi afetado. Isso levou a uma redução de
oferta. O segundo é consequência da reação dos governos que, ao verem o povo
trancado em casa sem poder trabalhar, se viram obrigados a criar programas de
auxílio social. Nesse caso, tivemos expansões monetária e fiscal como nunca
antes vistas. Isso levou, então, a um aumento de demanda. Citando os Estados
Unidos como exemplo, nos últimos dois anos, a base monetária americana subiu
mais de seis trilhões de dólares1. Enquanto isso, a inflação anual dos Estados
Unidos está em 7,7% em outubro2. Esta alta da inflação não deveria surpreender
ninguém, diante das ações tomadas durante a pandemia. Mises já dizia em seu
livro que a impressão de papel-moeda leva à queda progressiva do poder de
compra da unidade monetária e à correspondente elevação dos preços.
Ainda em relação ao mundo pós-pandemia, podemos
observar que o nível de intervenção dos governos na economia aumentou.
Primeiro, por conta das restrições de mobilidade, que geraram, entre outras
coisas, a inflação. Por sua vez, a inflação tem levado a decisões equivocadas
como a tentativa de controle de preços. Em setembro desse ano, a então primeira
ministra do Reino Unido, Liz Truss, anunciou uma série de medidas para conter a
crise energética, que incluía o limite de preços de gás natural e energia para
as famílias, pelo período de dois anos3. É possível que Liz não tenha lido as
obras de Mises, pois, se tivesse, saberia que esse tipo de medida já foi adotado
diversas vezes ao longo da história com a intenção de controlar a inflação e o
resultado sempre foi o mesmo: fracasso. Mises explica de forma muito didática o
porquê disso. Dando o exemplo do leite, demonstra como o tabelamento de preço
leva a um aumento da demanda por parte de pessoas que não poderiam comprar caso
o preço continuasse subindo, ao mesmo tempo que leva a uma queda da oferta, já
que produtores começam a ter prejuízos por não poderem reajustar seus preços. A
consequência de tudo isso é o desabastecimento. Além disso, Mises demonstra
também que o controle de preço de um item específico tende a ser adotado para
diversos itens até que o governo esteja interferindo em toda economia.
Como mencionado no início do texto, todas as seis
lições são interligadas. Já vimos que a inflação tem levado ao
intervencionismo, por exemplo. Outra lição apresentada no livro diz respeito ao
investimento estrangeiro. Mises explica que um empecilho ao desenvolvimento de
economias é a escassez de capital. Logo, algumas economias são mais
desenvolvidas que outras por ter um maior capital per capita
investido. Ele também narra a história de diversos investimentos britânicos em
outros países da Europa e nos Estados Unidos e mostra como o investimento
estrangeiro foi importante para esses países evoluírem. Ao longo dos últimos
anos, avançamos muito em direção à globalização, ou seja, as cadeias de suprimentos
ao redor do mundo foram se tornando mais e mais integradas e, com isso, a
dependência entre os países cresceu. Nesse contexto, os investimentos
estrangeiros aumentaram, com muitas empresas construindo fábricas em países da
Ásia, por exemplo. No capítulo referente a esse tema, Mises menciona os receios
relacionados à expropriação do capital estrangeiro. Hoje, não só por conta dos
efeitos da pandemia, mas também por causa da guerra entre Rússia e Ucrânia,
estamos vendo os países se fechando novamente e indo na direção contrária ao
investimento estrangeiro. É um momento novo da nossa história, com a segurança
global em xeque. É impossível saber exatamente como será essa nova dinâmica e
em que grau os investimentos estrangeiros serão afetados, mas é muito provável
que as nações foquem em investir uma parcela maior parte do seu capital em
território nacional.
A partir dos temas explorados até aqui, já podemos perceber que o mundo hoje está sofrendo diversas mudanças, em boa parte acarretadas pela pandemia. Diante de tantas alterações no cenário macroeconômico, as populações se voltam aos seus governos em busca de soluções. Os políticos, por sua vez, na ânsia de acalmar os ânimos do povo, acabam cedendo e implementando medidas populistas como o controle de preços que mencionamos. Este é um momento perigoso, pois as ideias socialistas que defendem o Estado grande e controlador ganham força enquanto o capitalismo é apontado muitas vezes como vilão. Apesar da experiência soviética do socialismo ter falhado e do capitalismo ter elevado os padrões de vida e permitido um aumento exponencial da população, segue no imaginário de muitos que o Estado deveria ser o responsável por intervir na economia e promover o bem-estar. Como Mises nos ensina em seu último capítulo, ideias podem ser derrotadas por outras ideias. Cabe a nós, portanto, disseminar as ideias liberais, mostrando a partir de fatos históricos por que o liberalismo é o melhor caminho a ser seguido.
Larissa Utiyama - formada em Engenharia de Produção pela Universidade
Federal de São Carlos. Analista de ações em fundo de investimentos.
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