Psiquiatra e cofundador do Programa Semente afirma que metodologias que ensinam as emoções serão ainda mais importantes na retomada das aulas
Com o acúmulo de incertezas causado pela pandemia, as muitas mudanças de rotina e as alterações nas formas de socialização, ficou ainda mais evidente a importância de olhar para os sentimentos de crianças, jovens e adultos. No mês de prevenção ao suicídio, por meio da campanha do Setembro Amarelo, demandas voltadas ao controle emocional, intensificadas pelo isolamento social, surgem para transformar as práticas de educação socioemocional, trazendo um olhar também para o momento pós-pandemia e para as necessidades das comunidades escolares.
Celso Lopes de Souza, psiquiatra e cofundador do Programa Semente
– referência em aprendizagem socioemocional nas escolas –, conta que as instituições de ensino precisam pensar em propostas
pedagógicas que reforcem as habilidades socioemocionais que foram comprometidas
durante o último ano e meio. “A falta de interação física afetou as aptidões
sociais e emocionais de todos, principalmente da comunidade escolar”.
Para o psiquiatra, a pandemia jogou uma lupa para a regulação das
emoções, já que a maioria das famílias vivenciaram experiências intensas
durante esse período. E o suicídio tornou-se um problema ainda mais sensível,
uma vez que, com todos em casa, os sinais de dificuldades emocionais ficaram
mais difíceis de ser identificados.
O ensino socioemocional e a prevenção ao suicídio
Um estudo publicado na revista científica JAMA Pediatrics,
da Associação Americana de Medicina, em junho, mostra que sintomas depressivos
saltaram de 12,9% a 25,2% entre jovens de até 18 anos durante a pandemia. Dessa
forma, escolas que trabalham com alfabetização socioemocional têm mais recursos
para abordar esse tema com os estudantes, gerando novos canais de escuta para
auxiliar crianças e adolescentes a lidar com as emoções.
Isso pode acontecer por meio de programas estruturados, em que há
um processo gradual e sistemático para criar um ambiente de diálogo, fazendo os
alunos se sentirem seguros para contar como passaram esses últimos meses.
Trabalhar a capacidade de lidar com o medo, com a raiva e com a tristeza,
pode ser um primeiro passo para essa formação. Nesse momento de retomada das
aulas presenciais, dialogar sobre esse tema é fundamental para o acolhimento
dos estudantes e professores.
Nas aulas sobre modulação emocional, que constam na
metodologia do Programa Semente, esse assunto é tratado de forma a mostrar que
emoções são estados transitórios e, portanto, passam. Celso explica que o
desenvolvimento de competências socioemocionais está comprovadamente
relacionado à prevenção de transtornos mentais, como a depressão.
“Toda vez que a cabeça estiver achando que algo é insuportável de
aguentar, impossível de sair disso e que não vai acabar nunca, ela está nos
pregando peças. Então a capacidade de flexibilizar esse sentimento pode fazer
diferença no enfrentamento dessa crise”, explica.
Há também outras habilidades que podem ser trabalhadas nessa
retomada, como a confiança, para que, quando o estudante estiver
sentindo dificuldades em lidar com os sentimentos, ele seja capaz de procurar
ajuda com amigos, familiares e especialistas. Segundo o médico, quanto mais
cedo for o início do desenvolvimento intencional das competências
socioemocionais, maiores serão os recursos que os indivíduos terão para lidar
com as dificuldades.
O Programa Semente nas escolas
Celso Lopes de Souza e o grupo de educadores por ele liderado
construíram uma metodologia capaz de trazer conceitos internacionalmente
aceitos pela comunidade científica para ensinar crianças e adolescentes a
desenvolver a autogestão, a criatividade, a modulação emocional e as
habilidades interpessoais, competências fundamentais para o enfrentamento dos
desafios do século 21.
Durante os dois anos de pandemia o Programa Semente realizou lives
abertas ao público nas redes sociais sobre o Setembro Amarelo, com orientações e explicações relacionados ao tema do suicídio. As lives contaram com a participação de médicos e
especialistas, como o psiquiatra e também coautor do Programa Semente, Fernando
Fernandes, que contribui ativamente nas ações de prevenção ao suicídio em suas
redes e também no Centro de Valorização da Vida (CVV).
O programa, que atualmente conta com mais de 50 mil estudantes
brasileiros, estrutura-se na mesma matriz conceitual que a OCDE utiliza – por
meio do PISA – para medir e pesquisar o impacto do desenvolvimento das
competências socioemocionais nos indivíduos. Algumas dessas ferramentas foram
desenvolvidas com a colaboração de pesquisadores da UFRJ – Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
Programa Semente
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