Sou ginecologista, obstetra e especialista em reprodução assistida. Todos os dias, atendo pacientes que desejam ser mães, porém muitas enfrentam uma longa jornada para conseguir realizar o sonho de ter um bebê no colo. É um trabalho emocionante e que me deixa realizado, embora, às vezes, frustrado também. Lidar com o sonho e a expectativa dos outros é desafiador.
A pandemia
causada pelo novo coronavírus chacoalhou o mundo todo e, até hoje, nos
deparamos com seus mais distintos desfechos. Recentemente, uma pesquisa
confirmou um fato que já havia notado na rotina de atendimento no consultório:
a procura pela criopreservação da fertilidade feminina teve um aumento
consistente em 2020: 50% mais mulheres congelaram óvulos no mundo todo – dado
que reflete também a realidade brasileira, de acordo com clínicas
especializadas de todo o país.
Se postergar a
maternidade já era uma tendência, o cenário de incertezas trouxe uma maior
conscientização sobre o empoderamento reprodutivo feminino. À medida que o
tempo passa, a quantidade e a qualidade dos óvulos diminuem e o congelamento de
óvulos pode dar à mulher o controle da sua fertilidade para que ela decida o
melhor momento para ser mãe.
Quanto antes a
mulher fizer a criopreservação, melhor, pois o sucesso da gravidez no futuro
depende principalmente da idade dos óvulos, ou seja, a idade da mulher no
momento do congelamento. O problema é que a grande maioria das mulheres buscam
o congelamento entre 35 e 40 anos. Infelizmente, nem todas chegam a essa idade
com uma reserva ovariana boa e a qualidade e a quantidade dos óvulos – o ideal
é coletar cerca de 15 óvulos – são importantes para garantir boas chances
futuras.
Então, temos um
trabalho de formiguinha pela frente: informar as mulheres para que elas pensem
sobre a criopreservação antes, por volta dos 30 anos. O ginecologista tem um
papel importante aqui e essa conversa sobre planejamento da maternidade e a
avaliação da reserva ovariana devem acontecer durante a consulta de rotina.
Quantas mulheres com mais de 40 anos que estão fazendo tratamento para
engravidar não desejariam ter seus óvulos guardados há 10 anos?
O tratamento é
mais simples e, apesar de ser um procedimento caro, é mais acessível do que
muita gente pensa. Tudo começa quando a mulher menstrua, com o estímulo
hormonal para produzir mais folículos e, consequentemente, mais óvulos. A
estimulação é acompanhada de perto pelo especialista de reprodução humana através
da ultrassonografia transvaginal seriada e exames laboratoriais.
A coleta de
folículos dos ovários, dentro dos quais estão os óvulos, é realizada com
sedação, em um centro cirúrgico. Depois de coletados, os óvulos passam por uma
seleção para que somente os maduros sejam congelados. Em seguida, são
mergulhados em nitrogênio líquido e congelados rapidamente a 196 graus
negativos.
Os óvulos podem
ficar congelados por muitos anos. E o que acontece caso a mulher não utilize as
células armazenadas? Como o óvulo é um gameta, pode ser descartado a qualquer
momento. A criopreservação de óvulos deve ser vista como um seguro-maternidade,
uma conquista de parar o tique-taque do relógio biológico para decidir qual o
melhor momento da maternidade.
Gabriel Monteiro - médico ginecologista e obstetra, especialista em
reprodução assistida e professor do curso de Medicina da Universidade Santo
Amaro – Unisa.
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