Pandemia de COVID-19 é a principal responsável. No entanto, mesmo antes da chegada do vírus, a cobertura era insatisfatória e preocupava especialistas
A celebração do
Outubro Rosa em 2021 desempenha papel fundamental no reforço da importância do
rastreio do câncer de mama, doença que anualmente faz mais de 66 mil novos
casos no Brasil.1 Um levantamento da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM)
indica que entre janeiro e julho de 2020 o número de mamografias realizadas
pelo SUS foi de 1,1 milhão, registrando uma redução de 45% no número de exames
realizados por mulheres entre 50 e 69 anos. No mesmo período de 2019 o total de
mamografias feitas era de 2,1 milhão, o que já preocupava especialistas uma vez
que apenas 20% do público de mulheres na faixa etária indicada estava coberto
pelo exame - a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que haja
uma cobertura de ao menos 70%.2 Com o avanço da vacinação contra a COVID-19, o
medo de se infectar pelo vírus deixa de ser o principal motivo para postergar
os cuidados com a saúde3, e se faz necessário compreender as demais causas que
influenciam a não realização do exame.
"Atualmente, a
mamografia é o exame mais indicado para a detecção precoce do câncer de mama,
já que permite a identificação de tumores muito pequenos e, consequentemente,
nos estágios iniciais da doença. A agilidade no diagnóstico é o que determina
como será o tratamento, as possibilidades de cura e o tempo de sobrevida da
mulher. Entender o que impede as brasileiras de fazerem a mamografia, uma vez
que há uma legislação específica para garantir o acesso ao exame, é essencial
para reverter essa realidade", explica Carlos dos Anjos, oncologista
clínico do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês. Com esse objetivo, um
estudo publicado recentemente no periódico Nursing Open, analisou 22 estudos
publicados entre 2006 e janeiro de 2020, e identificou por meio de meta-análise
41 fatores que podem influenciar na adesão ao exame, divididos entre
características demográficas e socioeconômicas, uso do serviço de saúde,
histórico médico e rastreamento anterior de câncer.4
Desigualdade
socioeconômica tem forte impacto na aderência a mamografia
Entre todos os
aspectos considerados na pesquisa, o levantamento indica que ter idade elevada,
estar em um relacionamento, ter ensino superior, maior renda, residência urbana
e morar no Sudeste do Brasil são aspectos mais comumente relacionados à adesão
do exame de mamografia4, demonstrando um reflexo da desigualdade socioeconômica
característica do Brasil na saúde da mulher. A má-distribuição dos 4,2 mil
mamógrafos dispostos pelo país e as dificuldades em acessar os serviços de
saúde também são causas apontadas pela SBM.2
Um ponto de atenção
levantado pelo estudo é a ausência de investigação entre a relação da raça com
a qual a paciente se identifica e a busca pelo exame. Somente 3 de todos os 22
estudos considerados na meta-análise incluíram esse aspecto.4 "Em um país
como o Brasil, em que mais de 50% da população se identifica como preta ou
parda, é impensável não considerar esse aspecto. A ausência desse dado
inviabiliza a definição de políticas de saúde voltadas para a preservação da
saúde da mulher negra, além de reforçar um comportamento de omissão quanto aos
cuidados para com essa mulher. Tal comportamento é contrário a um movimento de
países desenvolvidos que visa trazer maior inclusão dessas mulheres no combate
ao câncer, necessidade exposta no discurso de abertura do congresso anual da
Sociedade Americana de Oncologia Clínica em 2021", conta o especialista.
Com relação ao uso do
serviço de saúde, histórico médico e rastreamento anterior de câncer, o
levantamento indica que mulheres que passaram por consulta médica anterior -
seja com especialista ou na atenção primária, que tem uma perspectiva positiva
da própria saúde, e que realizaram outros exames de rastreio do câncer aderem
mais à mamografia. No entanto, alguns fatores como estar na menopausa, ser
tabagista, dificuldades na realização de atividades diárias, ter doença
crônica, ter nódulos benignos na mama, história pessoal e familiar de câncer de
mama, e o índice de massa corporal não estão necessariamente relacionados à
maior adesão à mamografia.4 "O levantamento mostra ainda que poucos
estudos analisados consideraram esses aspectos, mas principalmente que esses
fatores podem impactar a influência desses fatores na adesão, seja para mais ou
menos, variou. A partir disso, é possível indicar que uma parcela da população
não tenha conhecimento sobre quais são os comportamentos e características de
saúde que podem contribuir para o surgimento do tumor e que por isso orientam
para a indicação de realização do exame", alerta Dr. Carlos.
A incidência de câncer
de mama vem aumentando em países de baixa e média renda, assim como a taxa de
mortalidade, de modo que 62% das mortes por câncer de mama em todo o mundo
agora ocorrem em países em desenvolvimento, como o Brasil.5
Problema é ainda maior
entre minorias raciais, étnicas e culturais
Um outro levantamento
publicado pela Spandidos Publication avaliou 19 estudos desenvolvidos em todo o
mundo para coletar informações de 250.733 mulheres de diferentes grupos
minoritários, além de avaliar a adesão ao rastreamento do câncer de mama e as
barreiras ou limitações que causam a não-adesão. Como resultado, a taxa de
adesão encontrada foi de, em média, 49,7% nos últimos 2 anos. Ou seja, metade
das mulheres que fazem parte de alguma minoria não fez o exame no período. No
Brasil, a taxa de adesão a mamografia é de apenas 32% entre mulheres com 50 a
59 anos e 25% naquelas com 60 a 69 anos e que integram algum grupo minorizado.6
Os fatores
socioeconômicos encontrados coincidem com os citados no estudo brasileiro, mas
levantou outros pontos também, como fatores pessoais, como medo, desconfiança
dos profissionais de saúde ou do sistema de saúde e desconhecimento dos
procedimentos, falta de tempo, atividades conjugais. Fatores étnicos, culturais
e religiosos, como crenças, confiança na medicina oriental, desconfiança nas
práticas ocidentais, religião, estigma e vergonha, bem como fatores externos,
falta de acesso e estímulo para fazer o exame foram apontados como motivos
responsáveis pela falta da realização de mamografias. Até mesmo o conforto com
relação ao sexo do profissional de saúde que presta o atendimento foi
identificado como possíveis causas para o comportamento.6
O câncer de mama é o
tumor maligno mais comum entre as mulheres, sendo responsável por um em cada
quatro casos de câncer no mundo.7 A diminuição no número de exames feitos
durante a pandemia pode provocar o surgimento de 4 mil novos casos nos próximos
anos.3 "Com o início da retomada das atividades, é imprescindível que as
mulheres priorizem a sua saúde e busquem pela mamografia. Esses casos precisam
ser diagnosticados o quanto antes, pois a cada dia que passa, o câncer avança.
Culturalmente, a brasileira coloca o cuidado com o companheiro, a família e os
amigos em primeiro lugar, mas isso precisa mudar. Essa rede de apoio pode e
deve priorizar a saúde da mulher e auxiliá-la nessa jornada, seja para o
diagnóstico precoce ou apoio durante o tratamento do câncer", reforça o
oncologista.
Referência
• https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-mama
• Restreamento
mamográfico despenca no Brasil. Sociedade Brasileira de Mastologia. Acesso em
21 de setembro de 2021. Disponível em: https://sbmastologia.com.br/rastreamento-mamografico-despenca-no-brasil/
• Câncer de mama:
pandemia pode ter deixado 4 mil casos sem diagnóstico no Brasil, diz estudo.
Oncoguia. Acesso em 21 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.oncoguia.org.br/conteudo/cancer-de-mama-pandemia-pode-ter-deixado-4-mil-casos-sem-diagnostico-no-brasil-diz-estudo/14581/7/
• Factors related to
mammography adherence among women in Brazil: A scoping review. Nursing Open.
Acesso em 21 de setembro de 2021. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/nop2.706
• Torre, L. A.,
Islami, F., Siegel, R. L., Ward, E. M., & Jemal, A. (2017). Global cancer
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26(4), 444- 457. https://doi.org/10.1158/1055-9965.EPI-16-0858
• Breast cancer
screening adherence rates and barriers of implementation in ethnic, cultural
and religious minorities: A systematic review. Spandidos Publication. Acesso em
21 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.spandidos-publications.com/10.3892/mco.2021.2301#
• Bray, F., Ferlay,
J., Soerjomataram, I., Siegel, R. L., Torre, L. A., & Jemal, A. (2018).
Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality
worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA: A Cancer Journal for Clinicians,
68(6), 394- 424. https://doi.org/10.3322/caac.21492
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