Mais de quarenta dias depois do jogo final da Copa América no Brasil, estamos diante de um novo dilema quanto à reabertura de estádios de futebol para o público. Os clubes não vão poder colocar dentro das arenas um número igual de torcedores, mas a maioria deve ter, no máximo, entre 20% e 40% da capacidade dos estádios, e alguns vão exigir resultado de exame negativo para covid-19 ou comprovante de vacinação. É esperado que em algum momento vamos voltar à vida normal. Mas, é possível saber quando?
Em 2020, imaginávamos que a pandemia passaria em
alguns meses. Mas hoje sabemos que era uma previsão mais emocional do que
racional. Em Curitiba, mais até do que em outros lugares, a lembrança da
pandemia da gripe de 2009 é bastante revivida. Quem passou por esse período na
linha de frente dos hospitais, lembra que os tempos mais difíceis duraram menos
de um ano, e essa experiência nos dava a esperança de que em 2020 seria
parecido. Na ingenuidade desse começo da pandemia, não levamos em conta que o
vírus do H1N1 era “parente” do vírus da gripe de 1918 e que já existia uma
memória imunológica na população. Além disso, a vacina para outros tipos de
gripe já é produzida há mais de 50 anos, portanto, o surgimento do imunizante
seria apenas uma questão de tempo. Depois de 16 meses estudando o coronavírus,
já não somos mais tão ingênuos. A velocidade de disseminação, a severidade da
doença e a suscetibilidade da população são muito maiores para a covid-19 do
que para o H1N1. O cenário mais provável é que devemos ficar com o coronavírus
circulando entre nós para sempre, porém, causando casos com menos gravidade ao
longo do tempo.
Algo que aprendemos é observar o que acontece em
outros países. Em janeiro de 2021, nos Estados Unidos, o número de doentes
entrou em uma curva acentuada de queda, e isso ocorreu alguns dias após o
início da campanha de vacinação. Nesse momento, o país tinha menos de 10% da
população vacinada, quantidade insuficiente para ter impacto na transmissão.
Ainda é um mistério por que a curva de casos se comportou dessa maneira, mas é
fato que ascensão e queda rápidas ocorrem periodicamente. O que se seguiu foi
uma onda de euforia e a impressão que a pandemia tinha terminado. Até então
obrigatório, o uso de máscaras em estabelecimentos comerciais passou a ser
opcional em alguns estados e a vida voltou praticamente ao normal. Em abril,
por exemplo, mais de 40 mil torcedores assistiram a um jogo de baseball no
Texas, sendo esse o primeiro com estádio 100% ocupado nos EUA. Mas em julho, os
casos voltaram a aumentar e agora dobram a cada 15 dias, em ascensão
logarítmica mais uma vez. Assim como ocorre na Europa e em Israel. Sem entender
por que isso ocorre, tentar acertar o dia que a pandemia vai terminar é como
prever o tempo com 6 meses de antecedência.
Como o vírus precisa de contato próximo para ser
transmitido, aglomerações são facilitadores da transmissão. Nesse aspecto, mais
de 40 mil pessoas circulando pelo mesmo espaço soa como um comportamento
arriscado. É claro, podemos diminuir as chances de contágio. As pessoas podem
circular por corredores diferentes, ser testadas antes de ir ao estádio, ficar
em ambientes abertos, todas com máscara, sem contato próximo... Quanto tempo
até que as transmissões dos jogos possam mostrar torcedores agarrados,
comemorando um gol, um título? Quem vai impor obediência às regras? Os clubes?
Eles estarão mais preocupados em evitar a transmissão da covid-19 ou em
garantir que seus clientes tenham bons momentos?
Hoje, estamos no “olho do furacão”; a chuva passou
e o vento diminuiu, mas isso não quer dizer que não haja mais tempestade. Só
não vamos repetir a história de EUA e Europa por milagre. Deveríamos nos
beneficiar da experiência de outros países e nos permitir observar o que vai
acontecer nos próximos meses antes de retomar atividades com maior risco de
transmissão e menor benefício para a população.
Marcelo
Abreu Ducroquet - infectologista e professor do curso de Medicina da
Universidade Positivo.
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