A atual pandemia, de proporções nunca vistas por
esta geração, tem promovido um inegável incremento no uso de tecnologias
educacionais – ainda que com pouca inovação – o que trouxe uma certa onda de
otimismo de que o processo ensino-aprendizagem, especialmente na Educação
Básica, finalmente sofrerá a disrupção tão esperada e profetizada, apesar do
eterno conflito entre teoria e prática. Mas transformar o temporário em perene
pode não ser um caminho tão natural assim, tampouco o único desdobramento
possível.
Primeiramente, há de se reconhecer que grande parte
das implementações foram de improviso, à exceção de um seleto grupo de
instituições. Apesar do ensino remoto na Educação Básica encontrar muitas
barreiras legais no Brasil – temporariamente relaxadas, mas que possivelmente
serão posteriormente restabelecidas –, o uso de grande parte de suas
ferramentas de modo complementar ao ensino presencial nunca foi impedido, sendo
inclusive estimulado. Ter um canal online para tirar dúvidas com os
professores, disponibilizar conteúdos produzidos pelo professor (não aqueles
padronizados e distribuídos pelos sistemas de ensino) e criar vídeos para tirar
dúvidas mais coletivas da turma, por exemplo, nunca foram proibidos, ainda
assim eram muito pouco utilizados até há poucos meses. Prevaleceu aquela triste
realidade de que a sala de aula pré-pandemia em muito pouco se diferenciava
daquela de 100 anos atrás: um professor, um quadro e um grupo de alunos.
De modo geral, observou-se uma corrida contra o
tempo na implantação de ferramentas (curiosamente abundantes e acessíveis de
longa data), treinamento de professores, orientação de pais e alunos. E tanto
nas escolas públicas quanto privadas, o aspecto financeiro tem pesado. Se numa
depende-se de disponibilidade orçamentária em época de redução drástica de
arrecadação, na outra a pressão por descontos no valor das mensalidades e o
cenário pouco previsível também limitam muito a capacidade de investimento nessa
migração. Tem-se, assim, uma abordagem muito mais de apagar incêndio do que de
implementações duradouras que contemplem o longo prazo.
Há de se levar em consideração ainda, como bem
discutido em diversas reportagens recentes, as diferenças socioeconômicas não
apenas entre os discentes das diferentes redes de ensino e escolas, mas também
entre os alunos, individualmente. Nem todo estudante possui computador ou
smartphone com bom acesso à internet suficiente, por exemplo, para participar
de uma aula ao vivo via streaming. E as mesmas desigualdades
podem ser observadas entre os docentes e técnicos, constituindo um desafio
adicional.
Os efeitos dessa desigualdade são percebidos em
todo o mundo, inclusive em países desenvolvidos, mas será – e já está sendo –
especialmente intenso no Brasil por conta dos nossos problemas históricos. E a
crise econômica que virá logo em seguida – vide a recém-divulgada queda
histórica do PIB dos EUA no 1.º trimestre – tornará esse abismo maior e, por
consequência, reduzirá ainda mais a capacidade de investimento das instituições
de ensino públicas e privadas.
Outro fator igualmente relevante é o tema da
inclusão, que ainda está longe de estar plenamente equacionado sequer na
educação presencial. Aqui enfrenta-se uma quebra de rotina e do vínculo entre
educando e educador, que são ainda mais importantes para esses discentes, o que
torna mais difícil a busca e a efetivação de uma educação igualitária nesse
cenário em que se está consertando o avião em pleno voo. Os efeitos são
percebidos também em casa, uma vez que os pais nem sempre estão prontos para
prover em sua completude o apoio ao aprendizado durante o isolamento. E uma
situação análoga ocorre para as crianças da Educação Infantil e Ensino
Fundamental I, nos quais a modalidade remota mostra-se pouco viável.
Apresentam-se, ainda, os aspectos comportamentais
ligados a um status quo que envolve professores, pais, alunos e gestores
escolares numa cultura organizacional – valores, crenças, rituais e normas
compartilhados – que formam uma força que naturalmente resiste à mudança e
tende a trazer as coisas de volta para o “normal”. E é das tarefas mais árduas
a promoção de transformação daquilo que molda a forma de pensar e de agir das
pessoas, sem a qual nenhuma alteração significativa do processo
ensino-aprendizagem será perene.
Basta notar como não é incomum as reclamações de
pais e professores frente às mudanças, muitas vezes apenas pelo fato de serem
justamente alterações do modus operandi ao qual já estão
habituados. Na bem da verdade, prevalece um certo desejo, explícito ou não, de
que simplesmente tudo volte a ser como era antes. Cada dificuldade acaba
tornando-se uma nova justificativa em vez de ser visto como um desafio a ser
vencido rumo a um benefício maior.
Uma crise tão intensa e inesperada como vivemos é,
de fato, uma força capaz de promover transformações. Mas para ser capaz de
estabelecer, em um patamar superior, um novo ponto de equilíbrio para a
Educação Básica brasileira, será necessária uma convergência de esforços,
muitos dos quais infelizmente encontram-se limitados – e assim permanecerão por
um longo tempo – pela própria crise, como as questões econômico-financeiras.
Ironicamente, talvez se os efeitos da pandemia se prolongarem por mais tempo do
que o atualmente previsto, como a necessidade de manutenção do isolamento
social e a suspensão das aulas, aumentem as chances de uma consolidação de ao
menos parte dessas mudanças.
Jeanfrank T. D. Sartori -
mestre em Gestão da Informação (UFPR), especialista em Inteligência de Negócios
e bacharel em Administração (UFPR), atua no setor de Controladoria Acadêmica e
Qualidade do Grupo Positivo em Curitiba/PR.
Nenhum comentário:
Postar um comentário