Por décadas o
cinema vem nos expondo a catástrofes, com filmes de enredo apocalíptico e
efeitos espetaculares que mostram vulcões, terremotos e maremotos assustadores,
asteroides em rota de colisão com a terra, dinossauros revividos que devoram as
pessoas, além de muitas tramas que lembram a dura realidade que vivemos agora,
com a pandemia do Coronavirus. Comuns nos enredos de muitos desses
filmes são os cientistas, que antecipando os perigos tentam alertar as pessoas
e as autoridades - alertas muitas vezes recebidos com desdém e
descrédito. Ao fim de muitas dessas tramas fica claro que, apesar de
falível e passível de erros, é a ciência que melhor nos habilita a enfrentar
perigos e desastres, sejam quais forem.
Há anos a ciência
vem nos alertando que a probabilidade de ocorrência de pandemias cresce
perigosamente com a integração global, com aumento das viagens, o avanço da
urbanização, as mudanças no uso da terra e a exploração cada vez mais intensa
do ambiente natural – realidades que só tendem a se ampliar e se
intensificar. O coronavírus (ou Covid-19) não é o primeiro a passar
de animais para humanos. Zoonoses ou doenças infecciosas
naturalmente transmitidas entre animais e seres humanos são mais comuns do que
a maioria das pessoas imagina, e sua ocorrência e severidade tendem a crescer
na medida em que se intensificam as interações entre humanos, animais e o mundo
natural. Realidade que demanda atenção continuada, ciência e
políticas de prevenção e controle cada vez mais sofisticadas.
A ciência já nos
permite tratar as zoonoses como eventos previsíveis, passíveis de monitoramento
e estudo sistemático – ao contrário dos imprevisíveis terremotos e furacões que
vemos nos filmes catástrofe. A ciência de sistemas, a modelagem
matemática e outras ferramentas analíticas sofisticadas são recursos valiosos
para monitorar e antecipar o risco de pandemias e, caso ocorram, para estudar e
estimar sua trajetória e consequências e definir práticas de mitigação e
supressão. E foi exatamente com esse arsenal que uma equipe de
pesquisadores do Imperial College, de Londres, realizou o mais completo estudo
das consequências da pandemia do Covid-19, com resultados muito preocupantes,
que estão tendo grande impacto nas decisões que autoridades britânicas e
americanas estão tomando nesse instante.
O estudo foi
liderado pelo pesquisador Neil Ferguson, que após a divulgação dos resultados
adoeceu com sintomas de coronavírus. Com base em experiências e
dados sobre a doença na China, Coreia do Sul e Itália, a equipe modelou
expectativas de transmissão do vírus pela população do Reino Unido e dos EUA, a
pressão que será exercida sobre os sistemas de saúde e a eficácia das medidas
em implementação. Apesar de tais simulações serem sustentadas em
suposições, e marcadas por incertezas sobre a natureza e a dinâmica do
Covid-19, elas ainda são a melhor alternativa para antecipação de futuros
possíveis para a pandemia. E as conclusões desse estudo apontam para
situações extremamente preocupantes, se não pudermos contar, com rapidez, com
tratamentos comprovados ou uma vacina eficaz contra o vírus.
Os pesquisadores
modelaram os impactos de uma epidemia não controlada, concluindo que oito em
cada dez pessoas seriam infectadas, com 510.000 mortes no Reino Unido e 2,2
milhões nos EUA. Em seguida avaliam o impacto de medidas em
implementação ou planejadas, como isolamento domiciliar de pessoas infectadas,
quarentena doméstica para todos os membros da família de pessoas infectadas,
distanciamento social para todas as idades, com reforço para pessoas com mais
de 70 anos. Segundo o estudo, essa abordagem reduziria as mortes
pela metade e a demanda por serviços de saúde em dois terços. Ainda
assim, os EUA teriam mais de 1 milhão de mortes, com a capacidade dos hospitais
excedida em pelo menos oito vezes. A extrapolação para regiões e
países menos preparados são extremamente preocupantes.
Também muito
preocupante é a conclusão de que, com o conhecimento que temos atualmente,
simplesmente não se pode permitir que o vírus se espalhe por toda a população
da mesma forma que outros vírus, como a maioria das pessoas ainda acredita,
pois o Covid-19 é mortal demais. O conhecimento atual indica como prudente
a implementação de práticas mais radicais de supressão do vírus, com
isolamento, quarentena e reforço do distanciamento social para toda a população
por um período muito mais longo que o até agora imaginado. Para
relaxamento das práticas de supressão, deveria surgir um tratamento eficaz ou a
possibilidade de vacinação em massa, o que os pesquisadores estimam levar cerca
de 18 meses. Um tempo longo de confinamento e inatividade, com
profundas consequências para a sociedade.
A postura e o
comportamento dos nossos líderes e tomadores de decisão é fundamental em
momento tão grave. É relativamente fácil mobilizar as pessoas para
sacrifício comum em meio a uma guerra, que afronta os nossos sentidos de todas
as formas. É mais difícil fazer o mesmo numa pandemia, com um inimigo invisível
que não elicita da mesma forma e intensidade os nossos sentidos. Mas
a vida de um número enorme de pessoas está em jogo e se tivermos que errar, é
infinitamente melhor que erremos por excesso de zelo e cuidado, mesmo que as
perdas físicas e econômicas pareçam absurdas e impossíveis de
absorver. Essas são recuperáveis, ao contrário das vidas humanas que
serão ceifadas pela pandemia.
Nesse grave momento
os cientistas precisam ser ouvidos. Apesar de imperfeita e falível,
é a ciência que nos provê o melhor conhecimento sobre a situação. E
esse é o momento de cuidarmos, de todas as formas possíveis, dos que estão na
linha de frente, dos profissionais de saúde que enfrentarão dificuldades de
toda ordem, para proteção da maioria da sociedade. A eles devemos
dirigir toda a nossa atenção e suporte.
Maurício Antônio Lopes - Pesquisador
da Embrapa
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