Durante
décadas fui participante ativo de debates políticos nas emissoras de rádio e TV
de Porto Alegre. Eram anos de ostracismo para o pensamento conservador e para
as ideias liberais de que o país era tão carente. Contavam-se nos dedos os que
se dispunham a enfrentar o esquerdismo que ia dominando a política nestas
bandas. Na Rádio Guaíba, um estúdio instalado na esquina da Caldas Júnior com a
Rua da Praia proporcionava som e ampla visibilidade ao público que se acotovelava
para assistir as discussões do programa Espaço Aberto. Em novembro, durante a
Feira do Livro, o "Estúdio de cristal", como era chamado, mudava-se
para a Praça, e a multidão, literalmente, cercava aquele ringue retórico para
ver quem iria às cordas.
À medida que
nos aproximávamos do fim do milênio, os partidos de centro-direita e de direita
foram virando apoiadores de quaisquer governos, espécie de contrapeso nas
disputas eleitorais, deixando sem trincheira ou expressão o ideário conservador
e liberal. Fechavam-se, no Rio Grande do Sul, as últimas portas ao debate
político que fosse além do bate-boca pelo poder. Ou, com palavras melhores, em
que essa disputa não fosse a única finalidade de todo argumento.
Lembro-me de ter ouvido do
governador Alceu Collares, num desses debates, pela primeira vez, referindo-se
ele aos partidos do espectro esquerdista: "Nós, do campo democrático e
popular". A expressão disseminou-se.
Socialistas,
marxistas e a esquerda em geral agarraram-se com braços e pernas ao binômio
democrático-popular. Posavam como donos desse "campo". Nele jogavam
futebol e golfe, criavam gado e faziam seus melhores discursos. E criavam
conselhos... Então, como ainda hoje, eram avessos à propriedade privada, mas o
tal "campo" foi cercado, escriturado em seu nome e passou a lhes
pertencer o inço que ali crescia.
Não
falo, apenas, de uma pretensão local, mas de uma obstinação mundial. É bom
lembrar que Albânia, Bulgária, China, Cuba, Camboja, Coréia do Norte, Mongólia,
Vietnã, Iêmen, e todas as demais republiquetas africanas, asiáticas e
europeias, que em décadas anteriores adotaram o socialismo, se apresentavam ao
mundo como "democracias populares". Enchiam a boca e estatutos
constitucionais com sua condição de people's
republic. E o leitor está perfeitamente informado sobre seus principais
produtos: totalitarismo, supressão das liberdades, genocídio e miséria.
Aqui
no Brasil, o dito campo esquerdista encontrou na criação e povoamento de
conselhos uma forma de se institucionalizar e atuar politicamente. Na
administração pública estão em toda parte. Com exceções, formam pequenos
sovietes, determinando e impondo políticas.
São detentores de um poder paralelo que somente na órbita federal se
manifesta através de 2.593 colegiados, segundo matéria de O Globo publicada em
29 de junho de 2019. Na véspera,
Bolsonaro havia anunciado a intenção de reduzi-los a 32.
No
entanto, esses aparelhos políticos resistem. Os 996 conselhos ligados a
instituições federais de ensino operam em ambientes blindados pela autonomia
universitária. Outros foram instituídos por lei e só poderão ser cancelados por
outra lei. Assim, no curto prazo, apenas 734 criados por decretos federais ou
por portarias dos próprios órgãos federais estão liberados para encerramento de
atividades.
Note-se: a
criação e operação de grande parte desses conselhos, muitos dos quais altamente
onerosos ao pagador de impostos, é apenas uma das formas de aparelhamento da
administração pública, que deveria ser apartidária, técnica e comprometida com
a redução do peso do Estado sobre a sociedade.
Percival Puggina (75), membro
da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e
titular do site www.puggina.org, colunista
de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a
tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo
Pensar+.
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