Ao contrário do que algumas notícias e muitos memes
tem tentado transparecer, um conflito de proporções globais não parece
plausível nesse momento. Dessa forma, responde-se a uma das perguntas mais
frequentes a respeito das recentes tensões entre EUA e Irã: se haverá ou não
uma Terceira Guerra Mundial, o que não ocorrerá – pelo menos por hora.
Para compreender a animosidade entre os Estados
Unidos e a República Islâmica do Irã deve-se voltar à década de 1950, quando
não havia no país do Oriente Médio qualquer sentimento antiamericano. Àquele
momento, a autoridade máxima iraniana era o Xá – nome que se dá aos monarcas
persas – Reza Khan. Em 1951, o nacionalista Mohammed Mossadeq é eleito primeiro
ministro, no primeiro pleito democrático do país. Dois anos depois, num golpe
orquestrado por Reino Unido e EUA, Mossadeq é deposto e, posteriormente, preso.
É então que o poder retorna à monarquia, em especial ao Xá Mohammad Reza
Pahlavi.
Desde a queda de Mossadeq e ascensão de Reza Pahlavi,
seguem-se quase três décadas de franca amizade entre Irã e EUA, tendo o
presidente americano Jimmy Carter declarado sentimentos de grande
companheirismo e gratidão à Pahlavi em 1978. A proximidade entre os países aos
poucos começa a ser malvista pela população iraniana, temerosa de que acordos
comerciais e petrolíferos prejudiciais ao país pudessem ser celebrados. A
revolta contra a monarquia atinge seu ápice em 1979, ano da Revolução
Iraniana.
Depois de semanas de protestos, greves,
paralisações e enfrentamentos, Reza Pahlavi foge do país e abre caminho para o
retorno do líder religioso Ruhollah Musavi Khomeini, o aiatolá Khomeini,
ferrenho crítico da monarquia e dos EUA, que estava fora do Irã desde 1964. Por
conta desse desencadeamento de situações, frequentemente se divide o estudo da
Revolução Iraniana em duas fases, sendo a primeira a deposição do Xá e a
segunda a ascensão dos Aiatolás.
Seja como for, é em 1979 que o Irã deixa de ser uma
monarquia e torna-se uma república teocrática, aquela em que as ações do
governo seguem os preceitos de uma religião. Também em 1979 a embaixada
americana em Teerã foi cercada e posteriormente invadida, enredo do filme Argo,
de 2013. Desde 1980, quando funcionários da embaixada americana em Teerã
permaneciam sequestrados, Irã e EUA congelaram suas relações diplomáticas. Isso
significa que ambos os países não possuem um canal aberto de comunicações e
diálogo, o que certamente agrava qualquer tensão entre ambos.
A estratégia estadunidense tem sido, desde a
Revolução Iraniana, o uso de embargos econômicos, o que elevou o sentimento
antiamericano na população do país do Oriente Médio. Tais embargos ganharam
maior abrangência em governos como o de Bill Clinton, que proibiu investimentos
americanos no Irã, reduziu as trocas comerciais e proibiu a participação de
empresas dos EUA no setor petrolífero persa. Novas sanções ao Irã vieram no
governo de George H. W. Bush que, tal qual Barack Obama, via com muita
preocupação o programa nuclear iraniano.
Por fim, chega-se ao governo Donald Trump, no qual
rompeu-se o acordo nuclear celebrado em 2015 entre Irã – de um lado – e Rússia,
China, Estados Unidos, Alemanha, França e Reino Unido – de outro. O acordo, que
previa a retirada das sanções econômicas em troca da parada do programa
nuclear, foi unilateralmente rasgado por Trump, o que impactou diretamente a
economia iraniana e aumentou a inquietação entre os dois países.
Em setembro de 2019, uma refinaria de petróleo na
Arábia Saudita foi alvo de um ataque de cerca de 20 drones e vários mísseis,
supostamente de origem iraniana, o que deixou ainda mais instável a geopolítica
do Oriente Médio. Deve-se destacar que, ao contrário do Irã, a Arábia Saudita é
grande aliada dos EUA, e sauditas e iranianos possuem uma tensa e nada amigável
relação.
Assim, chegamos a janeiro de 2020, quando um ataque
americano ao Iraque mata o popular general iraniano Qasem Soleimani,
Major-Geral, comandante da Força Quds da Guarda Revolucionária iraniana, além
de uma figura proeminente no país e o cérebro por trás das estratégias
militares iranianas. De um lado, o Major-Geral auxiliou o presidente sírio
Bashar al-Assad a lutar contra os rebeldes contrários ao seu governo, e, de
outro, lutou contra o Estado Islâmico no Iraque.
Muitos têm questionado as razões por trás desse
ataque a Soleimani. A princípio, pode-se enxergar uma retaliação ao ataque à
refinaria saudita. Da mesma forma, pode-se apontar que o ataque pode ser uma
tentativa de Trump de se afirmar ao eleitorado interno, logo após o desgaste
sofrido pela aprovação de seu impeachment na câmara dos deputados em dezembro –
por mais que o impeachment definitivo possivelmente não prospere. Por fim,
dentre várias razões para o ataque, pode-se apontar também as ações passadas do
general que, segundo o Pentágono, “possui sangue americano nas mãos”.
O que é difícil de responder nessa história toda é
justamente a pergunta mais simples: e agora? Não se sabe ao certo, mas em meio
às juras iranianas por vingança, bandeiras vermelhas – símbolo do sangue dos
mártires e de vendeta – tem sido cada vez mais comuns nas ruas de Teerã.
Se o ataque a Soleimani foi uma retaliação ou uma maneira para que Trump se
reafirme a seus eleitores não se pode saber. O que se pode afirmar com certeza
é que as relações entre EUA e Irã nunca estiveram tão tensas, e que a
estratégia americana para o Oriente Médio será duramente testada neste início
de ano. Em alto nível de alerta está a aliada americana Arábia Saudita que,
além de geograficamente próxima ao Irã, fornece petróleo aos EUA. É de se
esperar, também, alguma dura resposta vinda do Irã, que, ainda que não venha
agora, certamente ocorrerá.
João Alfredo Lopes Nyegray -
doutorando em estratégia, mestre em internacionalização. Advogado, formado em
Relações Internacionais e especialista em Negócios Internacionais. Professor de
Relações Internacionais, Comércio Exterior, Administração e Economia na
Universidade Positivo.
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