A enxaqueca ou migrânea é uma doença complexa e incapacitante. Nos
últimos anos, os avanços nos estudos desse tipo de cefaleia foram muito
importantes para o desenvolvimento de tratamentos neurológicos. Contudo, nem
todos os pacientes respondem da mesma maneira às terapias disponíveis. Nesse
contexto, a cirurgia de enxaqueca foi trazida para o Brasil prometendo diminuir
a intensidade e a frequência das dores de cabeça.
Criada pelo cirurgião plástico americano Bahman Guyuro, a técnica
promete descomprimir e liberar ramos dos nervos trigêmeo e occipital. Há pouco
mais de um ano, veio sendo aplicada no Brasil por outros especialistas da área.
Recentemente, foi abordada em uma publicação de grande alcance. Porém, de
acordo com o dr. Fernando Kowacs, coordenador do Departamento Científico de
Cefaleia e professor adjunto de Neurologia do Departamento de Clínica Médica da
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), a enxaqueca
é uma doença crônica de origem genética, cujas crises são causadas inicialmente
por alterações cerebrais. “A proposta de atuar unicamente sobre os nervos
periféricos, não leva em conta muito do que já se sabe sobre as causas e mecanismos
da migrânea”, afirma.
Como o efeito placebo é muito presente nos estudos envolvendo tratamento
da doença, o especialista explica que, em qualquer nova modalidade terapêutica,
é preciso passar por uma avaliação da eficácia através da metodologia
científica apropriada. A chamada cirurgia da enxaqueca, contudo, está sendo
adotada como tratamento de rotina antes de ter a sua utilidade comprovada de
forma adequada. “Os estudos que embasam sua aplicação não respeitam a estrutura
lógica requerida pelas principais instituições de saúde, pois praticamente
todos foram realizados por um único pesquisador e divulgados em uma revista
científica sem qualquer tradição na área da cefaleia”, critica.
A dra. Célia Roesler, secretária do Departamento Científico de Cefaléia
da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), concorda e acrescenta: “A Academia
Brasileira de Neurologia (ABN), a Sociedade Brasileira de Cefaleia e a American
Headache Society, não indicam esse procedimento, porque, além de não existirem
estudos conclusivos, não entra nos protocolos de manejo da enxaqueca”. Segundo
a neurologista, é uma técnica muito invasiva que não resolve o problema, visto
que a migrânea está ligada ao desequilíbrio químico e genético de
neurotransmissores.
O principal risco da aplicação da cirurgia de enxaqueca é, além dos
perigos comuns a qualquer cirurgia, a possibilidade de provocar prejuízos em
longo prazo, devido à manipulação dos nervos periféricos.
Atualmente, não existem cirurgias ou cura para a enxaqueca. “Nós
indicamos tratamentos que melhoram a qualidade de vida do paciente, diminuindo
a frequência, intensidade e duração das crises de dores de cabeça. Sabe-se que
a toxina botulínica e os anticorpos monoclonais injetáveis possuem ótimos
resultados e estarão em breve disponíveis nacionalmente”, aponta a dra. Célia.
Há ainda técnicas que complementam os recursos medicamentosos, como acupuntura,
neuromodulação, procedimentos de relaxamento, entre outros.
Para o dr. Kowacs, a cirurgia está sendo adotada, não devido a
comprovação real de sua eficácia, mas por ser mostrada aos pacientes como uma
solução milagrosa. “Não existe milagre no tratamento de doenças crônicas, ainda
mais no caso da enxaqueca”, pontua.
A recomendação é que o indivíduo acometido pela migrânea procure um
médico clínico ou neurologista qualificado, de preferência com experiência no
tratamento desse tipo de cefaleia, a fim de receber o diagnóstico correto e
tentar opções não invasivas com eficácia comprovada. Para os especialistas, esse procedimento deveria estar sendo aplicado apenas de maneira
experimental, em estudos adequadamente conduzidos, e não na rotina dos
consultórios ao redor do país.
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