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quarta-feira, 24 de julho de 2019

Você é o que você veste



Quando o Greenpeace decidiu, em 2011, coletar amostras de um rio na China para analisar a quantidade de concentração química em suas águas ninguém imaginava o desdobramento que isso viria a ter. Ao fazer os testes nessas amostras, encontraram no rio 11 substâncias químicas em concentração extremamente alta, perigosas tanto para o ecossistema quanto para a saúde humana. O mais preocupante é que no entorno daquele rio estavam duas grandes empresas têxteis, que forneciam produtos para 11 marcas globais.

As marcas foram alertadas para o risco que tinham ao utilizar aqueles produtos e a ONG lançou alguns relatórios, entre os quais o “Lavanderia Suja”. Depois disso, foi instituído o compromisso “Detox” para desintoxicar toda a cadeia têxtil até 2020. A preservação do meio ambiente, a segurança da saúde humana e o desenvolvimento sustentável são as premissas do pacto que as empresas assinaram com o Greenpeace. Por isso, elas sabiam do compromisso assumido para limpar sua cadeia desses produtos químicos, mas não tinham ideia de como fazê-lo.

Foi a partir disso que surgiu o programa ZDHC (Zero Discharge of Hazardous Chemicals) ou Descarte Zero de Produtos Químicos, que se propõe a unir esforços para eliminar produtos químicos perigosos de suprimentos de couro, calçados e artigos têxteis. Atualmente, o ZDHC tem a colaboração de 29 marcas signatárias, 86 afiliadas da cadeia de valor e associados. Nos próximos 10 anos, quem não tiver essa consciência vai estar fora do mercado. 

A empresa inglesa Intertek participa globalmente do ZDHC, auxiliando marcas de roupas, calçados, varejistas e fabricantes gerenciar seu risco químico por meio de coletas de amostras de efluentes, testes químicos (em efluentes e produtos químicos), verificações e treinamentos. A meta é alcançar a ampla implementação de química sustentável e as melhores práticas nessas indústrias para proteger consumidores, trabalhadores e o meio ambiente. Com base nos resultados obtidos, a meta é eliminar a 0% os produtos químicos perigosos que causam algum dano ao ser humano e/ou meio ambiente.  

Para se ter uma ideia da gravidade da situação, podemos pegar como exemplo o Jeans, que é o tecido com a maior incidência de contaminação de Nonilfenol, principalmente na etapa molhada de produção, que envolve a estamparia e o tingimento.  Trata-se de um produto químico conhecido por alterar o gênero de peixes, transformando machos em fêmeas. Também é muito nocivo ao homem, podendo causar infertilidade é até câncer. Existem também o risco dos metais pesados que são um veneno para a saúde, porque vão se bioacumulando no organismo e não existe tratamento para “descontaminar o organismo”, quando atinge o limite, as consequências são gravíssimas. 

Muitas vezes o consumidor se confunde ao adquirir suas roupas. Acham, por exemplo, que um tecido com fibra 100% natural é sinônimo de produto natural. Mas não é verdade, porque a fibra 100% natural pode estar contaminada por pesticidas, agrotóxicos e outras substâncias. O couro é outro item que também precisa de uma atenção especial.

A composição química para a produção dos tecidos precisa atender aos padrões recomendados. O maior problema está aí, porque não se consegue simplesmente retirar esses produtos dos processos. Eles são vitais para a área têxtil, pois garantem a maciez, flexibilidade e qualidade do produto. Se o fabricante deixar de usá-los e não substituir por outros correspondentes, terá um problema grave de produção.  Este problema não acontece só na indústria brasileira. Os tecidos importados também podem estar contaminados. Por isso, o ideal é que eles sejam testados na origem, antes de embarcar para o Brasil. 

O consumidor que adquirir uma camiseta estampada com uma dose pequena de Ftalato (adicionado para atribuir plasticidade às estampas) vai perceber com o tempo que a aparência da roupa não vai ficar muito boa, porque vai rachar mais rápido. Na opinião dele, a peça será sinônimo de má qualidade.

Até 2020, tanto a indústria têxtil quanto a calçadista precisam se adequar aos padrões do programa. Mas é preciso fazer um amplo trabalho de conscientização junto ao consumidor, porque se ele espera que as empresas mudem sua forma de produção, ele também tem que mudar sua forma de consumir. No final, nós que decidimos se vale a pena ou não comprar um produto com um valor agregado maior mas mais seguro e confiável.  Podemos concluir que “você não é o que come, você é o que veste”.






Renata Lucio - Gerente Comercial de Softlines da Intertek

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