Com a entrada em vigor da Lei Anticorrupção (Lei
12.846/13) e com a promulgação de sucessivas regulamentações pelos entes
federativos (União, Estados e Municípios) a prevenção à corrupção e aos atos
lesivos contra Administração Pública virou realidade no ambiente de negócios do
país.
Ainda que o incentivo dado pela Lei Anticorrupção
para a adoção dos programas de integridade não seja dos mais vantajosos - a
adoção de programa de integridade pela empresa pode levar à redução da multa,
que no âmbito federal pode chegar a 4% -, as empresas passaram a entender que
não se trata apenas de garantir a atenuação de uma eventual penalidade, mas de
adequação a uma nova postura empresarial.
As empresas que possuem um programa de integridade
implementado e ativo diminuem as chances de se verem envolvidas em atos
ilícitos. Isso porque são funções típicas do programa: detectar, prevenir e
remediar, ou seja, o programa irá identificar os riscos de corrupção a que a
empresa está exposta, indicará boas práticas de conduta para mitigar esses riscos,
além de promover treinamentos aos colaboradores e à Alta Direção.
Mesmo com a identificação de riscos e com a adoção
de medidas para reduzir a probabilidade e o impacto da sua materialização, em
se concretizando o risco, a empresa poderá valer-se de suas políticas internas
para aplicar as consequências lá previstas, que podem chegar até a demissão por
justa causa do funcionário ou a rescisão do contrato, havendo a
responsabilidade de terceiros.
Com todos os benefícios que o programa de
integridade pode trazer às corporações, na perspectiva de evitação de prejuízos
materiais, de imagem ou mesmo para mostrar para a sociedade e parceiros de
negócios que a empresa é confiável e socialmente responsável, parece imperativa
a implementação do programa pelas empresas.
É fato, contudo, que a Lei não torna obrigatória a
implementação do programa pelas empresas. Embora as grandes corporações, como
regra geral, exijam de seus contratados a existência de programa ou a adesão
aos seus programas, esse tipo de exigência não pode ser implementada pelo Poder
Público, ante a falta de lei que a ampare.
Com raras exceções, como no caso do Estado do Rio
de Janeiro, que torna obrigatório o programa de integridade para quem queria
contratar com a administração estadual, não existe na legislação federal
qualquer exigência semelhante, mesmo depois da promulgação da Lei 13.303/16
(Lei das Estatais), que obriga as empresas públicas e sociedades de economias
mistas a terem Comitê de Auditoria Estatutário e a adotar as melhores práticas
de governança e gestão de riscos.
Se as empresas com participação estatal são
obrigadas a fazer a gestão dos seus riscos de integridade, incluindo os
decorrentes da relação com terceiros, é natural que, a exemplo da iniciativa
privada, possam fazer uma due dilligence e decidir por não
contratar ou manter contratos com aqueles terceiros que representem alto risco
para o negócio.
O problema é que a Administração Pública, assim
como as empresas com participação estatal, estão vinculadas ao princípio da
legalidade, ou seja, aos parâmetros e limites definidos em lei, inclusive
quanto às questões relacionadas à contratação.
Dessa forma, utilizar o resultado das diligências
de integridade como critério para limitar a participação de empresas em
certames ou mesmo para escolher o vencedor dentre os competidores participantes
não é legal, por objetiva ausência de lei que permita tal restrição nos
processos de contratação públicos.
Não havendo lei que ampare a limitação da
concorrência, não se pode impedir a participação de empresas que atendam aos
requisitos legais e aos critérios do edital, ainda que o risco de integridade
seja alto.
Mesmo que a legalidade impeça a restrição da
concorrência pelo risco de integridade, empresas têm sido impedidas de
participar de concorrências promovidas pela Petrobrás, por falharem no processo
de due diligence de integridade, ainda que tais empresas sejam atuais
prestadoras de serviços da sociedade de econômica mista.
A questão acabou judicializada, havendo algumas
poucas decisões contraditórias de primeira instância. As sentenças que
reconhecem a ilegalidade na limitação da participação nas concorrências se
fundamentam basicamente na inexistência de previsão legal para justificar a
restrição à competição.
Do outro lado, há decisões que reconhecem a
autonomia da Petrobrás em estabelecer suas regras de contratação, especialmente
porque amparadas nas políticas de prevenção à corrupção aprovadas pelo seu
Conselho de Administração e que a postura empresarial de evitar parceiros
comerciais que tragam alto risco de integridade está em linha com a nova fase
que a empresa vive no pós-Operação Lava-Jato.
A polêmica travada nos tribunais não deveria ter
razão de existir, se já houvesse sido promovida a tão anunciada reforma na
legislação federal que trata das licitações e contratações públicas em geral.
É contraditório exigir que as empresas com
participação estatal tenham uma gestão profissional e adotem as melhores
práticas de governança, gestão de riscos e compliance, se estão impedidas de
mitigar um conhecido foco de riscos, que deriva da contratação de terceiros.
Enquanto não vier a mudança
legislativa, ainda não que desejável a celebração de negócios com empresas que
possuem alto grau de risco de integridade, caberá às empresas promover
supervisão mais próxima desses prestadores de serviços, quer pelos fiscais dos
contratos, quer pela realização de auditorias mais periódicas, em atendimento
às obrigações importas pela Lei das Estatais.
Yuri
Sahione - advogado especialista em compliance e membro do
Conselho Deliberativo do Instituto Compliance Rio (ICRio).
Fonte: CEU Law School
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