Monge
Hondaku explica que não adianta jorrar ódio nas mídias sociais e fazer
meditação para ficar mais calmo. O que muda o mundo são atitudes de compaixão.
Tenho que começar essa conversa confessando que sou um fã de
mídias sociais. Desde os primórdios da internet brasileira. Esses meios
virtuais me renderam experiências únicas, pois tenho grandes amigos que conheci
há 20 anos online e que talvez jamais conheceria por vias físicas.
Posso dizer que até minha própria ordenação como monge e
meus estudos no budismo foram facilitados por essas ferramentas virtuais, pois
a maioria dos monges brasileiros atuantes se conheceram através de listas
budistas criadas nos anos 90.
Dito isso, declaro que venho
abandonando aos poucos tudo isso. Não vou me desconectar 100%, porque acredito
que essa interação virtual não tem volta, mas como uma pessoa que
acompanha a tecnologia há muito tempo, tenho certeza que outros meios virtuais
além dos disponíveis hoje surgirão. E espero que sim.
Freud desenvolveu a teoria do “pacto
social” na qual ele afirma que o ser humano a partir de certa idade determina
sua conduta diante do alheio, ele decide qual será o papel ou a máscara que ele
irá usar perante a sociedade para que seja visto como um ser humano de bem,
confiável e digno de convivência com os demais.
Esse comportamento inibia em certo grau demonstrações
delinquentes ou quebras de condutas sociais pré-estabelecidas por vergonha ou
medo de ser execrado e considerado um “pária social”. Um indivíduo poderia ser
nazista ou pedófilo, mas só o fato de ter seus pensamentos descobertos o
amedrontava perante a sociedade.
Parece que Freud só não previu as redes sociais ou o blog ou
o vlog. Simplesmente as mídias sociais de hoje em dia romperam também de forma
virtual o “pacto social” freudiano e com tamanha contundência que talvez as
teorias terão que ser revistas em breve.
Não sou formado em assuntos
psicológicos, mas sei o que são os venenos mentais: a ignorância, a ganância e
a raiva! E esses venenos são aqueles que contaminam nosso sangue e nos fazem
falar, pensar e agir de modo egoísta e narcisista nos colocando na posição de
superioridade social automática, seja para defender uma opinião ou para
massacrar um oponente contraditório.
E dos três, a raiva é a que causa mais
estrago sem dúvida. Se olharmos as páginas e páginas de postagens veremos
raiva, raiva e raiva na grande maioria delas. Pessoas não podem morrer mais,
pessoas não podem ter trabalho, pessoas não podem ser ricas, não podem ser
pobres, não podem ser ateus, não podem não ser cristãos, não podem ser
socialistas, não podem ser capitalistas e recentemente não podem nem mais gostar
de coentro.
Quase todas as expressões são criticadas sem argumentação e
de maneira violenta. Os seres humanos resolveram achar normal as maiores
atrocidades elevando um grande número de pessoas à uma sociopatia virtual.
Se alguém é assassinado, inventa-se desculpas para dizer
“bem feito”; se uma mulher é estuprada, o motivo foi a roupa, a maquiagem ou a
beleza para justificar o fato; se uma bomba explode a culpa é do explodido.
É uma ode à barbárie de modo virtual onde a indignação não
existe mais. Onde atos abomináveis são tratados com a naturalidade de um almoço
de domingo. Sem remorso, sem a vergonha da execração como antigamente, sem
indignação alguma diante da injustiça ou do terror. Tudo é justificável por
algum ângulo que algum especialista virtual inventa.
E aí essas mesmas pessoas que destilam
ódio, são as mesmas que curtem e postam mensagens espirituais, vídeos de
autoajuda, preces religiosas, correntes infindáveis de email como se Deus
tivesse um endereço @ceu.com.br.
Creio que a humanidade nunca se iludiu
tanto com a realidade, física ou virtual, como nos dias de hoje. Buda
Shakyamuni falava dessa ilusão há 2600 anos, a ilusão de que somos seres
individualistas e superiores, esquecendo que todo e qualquer movimento afeta
todos nós da mesma rede na qual estamos imersos e não percebemos.
Nos colocamos como entes destacados do mundo sem nos
preocuparmos com o alheio. Sem olhar para quem nos cerca e sem tratar as
pessoas com compaixão.
Falamos, pensamos e escrevemos o que nossa opinião comanda,
o que nosso ego exige, mas esquecemos que tudo isso tem volta, tudo são
sementes que plantamos para colhermos mais à frente. É só olhar a condição de
nossa sociedade atual para constatarmos que fizemos alguma bobagem no passado.
E não adianta ir fazer curso de meditação para ficar mais
calmo diante desse quadro. Você tem que entender que é a SUA atitude que vai
mudar o mundo e não seus pensamentos e opiniões. O que você efetivamente FAZ na
sociedade é o que vai lhe trazer as consequências. São as suas atitudes. E o
que você tem feito?
Não reclame do mundo, mude-o.
Mauricio Hondaku
- um monge totalmente fora dos estereótipos. Executivo da área de
vendas. Adora rock'n'roll, tatuagens e bike de estrada. Segue a
filosofia budista há 32 anos e tornou-se Monge há cinco. Pertence à Ordem
Shinshu Otani - Higashi Honganji. Apaixonado pela cultura oriental e artes
marciais desde a infância, dá uma perspectiva moderna e simples aos ensinamentos
budistas, sem perder a tradição. Primeiro monge brasileiro convidado a fazer
uma série de artigos para a Revista Tricycle, principal revista budista do
mundo.
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