A tolerância, que foi uma conquista do Liberalismo
nos últimos quatro séculos, pretende hoje ser superada pelo pensamento
"politicamente correto", em aras de uma interpretação rousseauniana e
ressentida da questão das diferenças. O tema da tolerância teve origem na
Inglaterra do século XVII, sendo John Locke (1632-1704) o grande sistematizador
da questão. O ambiente, até então, era de nítida intolerância em matéria de
pluralidade de credos religiosos.
Locke, jovem médico, foi chamado na alta madrugada
na casa paterna para atender a um moribundo, terminou salvando a vida de lorde
Shaftesbury (1621-1683), lhe praticando uma incisão de urgência na vesícula
supurada, evitando assim a morte do paciente. O lorde, já curado, quis premiar
os esforços do jovem profissional, lhe oferecendo o cargo de secretário
particular no Parlamento. Assim, pela vesícula do conde, Locke entrou na
política britânica como o mais importante teórico da onda de renovação que o
partido whig imprimira nos costumes políticos na tradicional estrutura da
monarquia absoluta inglesa.
A tolerância, para Locke, era uma das bases da sua
concepção política. Pelo império do princípio da tolerância, o poder civil não
poderia ser utilizado para forçar alguém a aderir a determinado credo
religioso. Mas se a tolerância deve formar parte do pacto político em relação
às Igrejas, ela deve também servir para aceitar as diferenças entre interesses
materiais a serem representados no seio do Parlamento.
A essência do pacto político pressupõe a
diversidade de interesses entre os cidadãos. Não aceitar os interesses dos
outros era inviabilizar o pacto social. Foi contra essa essa diversidade de
crenças e de interesses materiais que se ergueu Jean Jacques Rousseau com a sua
proposta de Entropia Civil contida no seu ensaio intitulado Do contrato social
(1762). Estava possuído pela ideia de que a unanimidade, no corpo social,
garantiria a felicidade dos seus membros.
O discurso politicamente correto foi elaborado pela
esquerda norte-americana dos anos 70 como expressão da unanimidade ao redor do
Legislador. Numa espécie de reduplicação sistêmica do controle pelos Puros, a
pragmática transcendental funcionaria dentro dos indivíduos submetidos ao
interesse coletivo, como uma espécie de auto-alarme contra o que significasse
dissenso. Ora, a primeira coisa a ser eliminada seria a incômoda diferença
entre os indivíduos. Todos seriam iguais. A diversidade é culpa do Capitalismo
e do Liberalismo, que pretenderam, sempre, nos separar uns dos outros.
A salvação é constituída pela Unidade Total do
corpo Político, nessa República de zumbis em que o politicamente correto ameaça
nos aniquilar. A educação de gênero, convenhamos, tenderia a eliminar essas
diferenças burguesas entre sexos, fazendo com que desde o berço nos
identificássemos como não diferentes, ou como diferentes na medida em que a
linguagem permitisse isso nas novas modalidades trans que começam a povoar o
imaginário através da arte e das telenovelas.
Ricardo
Vélez Rodriguez - doutor em Filosofia e professor da Universidade Positivo -
Faculdade Arthur Thomas.
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