Dentre o que já foi divulgado pela mídia, questionamos se, de fato, a
Reforma da Lei de Recuperação Judicial irá atender as necessidades das empresas
que estão em dificuldade financeira ou terá como objetivo somente garantir
direitos de grupos específicos, que já detêm a maior parte das garantias e
poder decisivo do destino destas. Alguns pontos precisam ser debatidos para um
processo de recuperação mais amplo e abrangente, sendo um fator de sucesso a
inclusão do maior número de credores e créditos da empresa em dificuldade.
Por
exemplo, a polêmica sobre a inclusão dos créditos a título de garantia
fiduciária em uma classe específica: ao mesmo tempo em que mantenha a garantia
do credor, o sujeita a negociar seu crédito ou pelo menos recebê-lo em condição
de igualdade com outras classes, tal como a da garantia real, enfim,
submetendo-o ao crivo da assembleia de credores.
Nota-se
aqui que, quando criada a Lei de Recuperações que vislumbrou no art. 49, § 3o
excluir como créditos sujeitos a recuperação os contratos de garantia
fiduciária, mal sabia o legislador que havia sido criado um subterfúgio que tem
sido usado em grande parte dos contratos bancários realizados após isso, com
objetivo dos créditos serem excluídos do quadro de credores.
Se
conclui que esse subterfúgio das instituições financeiras para que seus
créditos não fiquem sujeitos à recuperação judicial criou também problemas para
resolver esses contratos e seus recebíveis, pois a lei garante a suspensão por
180 dias geralmente prorrogáveis, não permitindo a retirada de tais bens do devedor
quando provada a essencialidade. Ou seja, a situação ficou mal resolvida pois o
credor não está sujeito à recuperação, mas também não consegue exercer
plenamente seu direito à propriedade no tempo que deseja.
Se
assim permanecer, sem abranger os créditos oriundos de garantias fiduciárias,
as instituições financeiras — que são os credores geralmente mais
significativos de uma recuperação judicial — continuam a ficar “imunes” ao
processo, já que existe o stay period que protege parcialmente o
devedor. Isso significa que seus créditos são exclusos, não sujeitos, e,
portanto, esvaziam o objetivo principal da lei, que era trazer todos para uma
negociação e, de fato, proporcionar plena recuperação financeira da empresa, o
que não acontece.
Sem
contar nas garantias pessoais dos sócios, outro ponto polêmico e que sequer foi
encarado como pauta da discussão (sob a ótica de ferir preceitos
constitucionais como a livre opção para ser avalista/fiador ou então o direito
do credor de executar, já que são personalidades distintas). Mas como fica o
direito maior da empresa que comprovadamente está em dificuldade financeira de
se recuperar e seus sócios poderem focar seus esforços para esse fim, se ficam
constantemente sendo executados por conta dos avais, fianças, seus bens
particulares sendo expropriados, contas bancárias penhoradas, seus CPF
negativados? Não seria coerente, pelo menos, que as execuções contra os sócios
garantidores das operações financeiras ficassem suspensas até a aprovação do
plano de recuperação? Afinal, não se trata de suprimir direitos das garantias
das dívidas, mas é um contrassenso aprovar um plano de pagamento, novas
condições em que configura uma novação e seu descumprimento um título judicial
executivo, e forçando o mesmo dono, por sua pessoa física, a efetuar o
pagamento de forma antecipada, coercitiva e diferente do que fora acordado na
assembleia de credores.
Não
se trata aqui de usurpar conceitos ou direitos de nenhuma das partes, mas há
uma lacuna que prejudica os processos de recuperação judicial, no caso da
execução do sócio, pois descapitaliza-o, sendo que muitas vezes se precisa
desses recursos para reinvestir no próprio negócio e permite-se que credores
(instituições financeiras) recebam de forma diversa do que fora aprovado no
plano de recuperação, esvaziando mais uma fez a primazia do maior número de
credores envolvidos no referido processo.
E
os tributos? Bom, sequer se cogita essa grande fatia que assola o empresário de
pelo menos compor uma classe específica, ou ainda poder ser paga ao Fisco nas
mesmas condições que os credores. O que é injusto, pois apesar de a lei
determinar que os entes devam promover condições especiais de parcelamento,
pouco temos visto esforços dos entes nesse sentido. Destaco ainda que à União
caberia ao menos estender às empresas em recuperação judicial benefícios
semelhantes aos Refis/Perts que ocorrem em determinados períodos e visam
atender a todas as empresas indiscriminadamente, independentemente de estarem
ou não em recuperação judicial, o que é um contrassenso, já que estas precisam
dessa atenção especial.
Ainda
há outros pontos que prescindem de debates, dentre eles minimizar a burocracia
do processo, delegar ao Administrador Judicial mais e novas atribuições para
dar agilidade ao processo. Além disso, é preciso exigir do mesmo comprovada
especialidade no segmento empresarial e jurídico, rever o prazo do trâmite da
Recuperação Judicial e de seus principais atos, criação de varas
especializadas, e, principalmente, entender que as mudanças devem atender a todas
as categorias de empresas que estão em dificuldade, desde as microempresas até
as de grande porte. Caso contrário, a Lei de Recuperação Judicial continuará
tendo uma procura ínfima no Judiciário, pois não transmite a essa grande gama
de empresas em dificuldade a segurança e a efetiva proteção da lei e do
Judiciário, fazendo com que muitas sucumbam antes de buscar o efetivo socorro,
elevando os percentuais de empresas fechadas, algumas até de forma irregular, e
com isso piorando mais ainda os resultados econômicos do país.
Portanto, ou prevalece o objetivo maior da lei, que é propiciar a
recuperação das empresas em dificuldade financeira, ou teremos uma reforma sem
reformar, omissa nos reais problemas, podendo ainda, nos moldes que foram
discutidos, piorar mais ainda a situação dos endividados. Pois vai atender
novamente a interesses específicos, alterando dispositivos que não agregam e
nem representam a necessidade das empresas que esperam socorro.
Mara
Denise Poffo Wilhelm
Advogada
Advogada
Mara
Denise Poffo Wilhelm
Advogada
Advogada
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