Onde já se viu? O novo governo - falta de aviso não foi - reacionário, conservador, elitista, logo de cara fechou o Ministério da Cultura; na composição de seu Ministério, admitiu pessoas investigadas, não há mulheres, não há negros, nem representantes de comunidades indígenas. O Brasil voltou 30 anos atrás no processo civilizatório.
Crítica fácil,
que emerge com naturalidade de bocas ideológicas e metafísicas.
O Brasil, a
Cidade de São Paulo, efetivamente poderiam ser exemplos não só de picos do
desenvolvimento sustentável, como um dos mais aprazíveis sítios mundiais para
se viver com alegria, em paz e amistosidade entre seus conterrâneos.
Porém, essa
imensa porção do planeta, que, felizmente, ainda conta com reservas salváveis,
foi profundamente degradada, devastada pela sucessão, ao longo de décadas, de
governos irresponsáveis, democráticos e ditatoriais, cresceu desordenadamente,
qual nossa Paulicéia Desvairada, tomada de arranha-céus superpostos,
construídos por migrantes que dela se orgulham mais que seus moradores, embora
em muitas noites fossem dormir famintos, experiência insólita para os média
defensores do Ministério da Cultura. E, pior, levado no barco dantesco dos
sonhos pelos últimos governos lulopetistas, exímios na arte do populismo, que
agravou a ponto que se podem supor irreversíveis, esse nosso estado nacional
miserável.
Ministério que
foi tomado de assalto em sua aparelhagem cínica pela companheirada do governo
populista que se dizia socialista e culturalmente avançado, mas revelou-se, ao
fim e ao cabo, como um conjunto de estelionatários enganadores do povo e tomadores
desonestos da coisa pública, mediante a corrupção mais escandalosa jamais vista
antes, não no Brasil, mas no mundo, em detrimento dos piores colocados na
escala social e que sonham não com comédias e tragédias de Shakespeare ou com
Mozart; no máximo, diante do desemprego e do sentimento famélico insuportável
que vêm novamente tomar de assalto seus dias e noites, se tivessem o propalado
acesso à cultura profunda que apregoam, entregar-se-iam ao réquiem do segundo
Bach na perspectiva de uma eternidade feliz.
Tal Ministério
foi invadido em seus escalões por estrelas vermelhas que, só por lá estarem se
sentiam geniais, logo tomaram-se como proprietários da casa do saber no Brasil,
a ponto de inviabilizar gestões livres e autônomas de Marta Suplicy de
Ana de Holanda, sob a batuta molotóvica de iluminados que se tornaram sovietes
do planalto central, propagadores do conhecimento socialista monopolizado pelo
Estado e que, um dia, graças à proteção de Stálin, seria a ciência única do
Partido único.
Homens, mulheres,
negros e índios, antes de Ministérios, sonham com vida digna, num país sem
violências, de moradas humanas, ruas arborizadas, calçadas transitáveis,
segurança alimentícia, lazeres culturais, sim, proteção climática por
meio da preservação de nossas incomparáveis florestas, garantida, em suma, vida
gostosa de ser vivida sob administração honesta. Como, sob um Estado
literalmente falido, cuja dívida pública, segundo a falastrona defenestrada,
seria de R$ 90 bilhões de dólares, ao passo em que já se apurou, no mínimo, o
dobro, algo terrível, que nos condena a uma existência miserável, por melhores
que sejam os governos futuros, no mínimo por uma década; que nos legou PIBs
negativos, de cujas consequências esses defensores da "cultura", provavelmente,
não têm a mínima consciência.
Sob suas
estereotipadas razões e palavras, criticam, nas primeiras horas, um governo
provisório de salvação nacional, desejado pelo povo. Claro que este preferiria
eleições gerais e nova Constituição, mas tais iniciativas não são de salvação
de quem se afoga num rio caudaloso e sujo, mas de construção de um país num
ambiente mínimo de tranquilidade arrimado sobre um equilíbrio econômico básico,
sem o qual, como diria seu velho guru, é a plataforma fundamental. Tudo o mais
é "superestrutura".
Amadeu Garrido - advogado e poeta. autor do livro Universo Invisível, membro da
Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.