Foto: Renan Conceição
Pesquisadoras são
protagonistas no estudo da espécie e no desenvolvimento de estratégias para um
manejo sustentável na costa brasileira. Captura acidental pela pesca e poluição
são os maiores riscos ao menor golfinho brasileiro
Pouco conhecida do público em geral, a toninha é uma das
espécies de golfinho mais ameaçadas do mundo, encontrada apenas na Argentina,
no Uruguai e em parte do litoral brasileiro, entre o Espírito Santo e o Rio
Grande do Sul. A situação é especialmente crítica no Brasil, onde a pesca
acidental e a poluição colocam a espécie como criticamente ameaçada. Na luta
pela preservação do golfinho, mulheres se destacam na coordenação e execução do
Projeto Conservação da Toninha, uma iniciativa criada para apoiar
pesquisas, compreender as causas da mortalidade e a relação da espécie com as
atividades pesqueiras, assim como elaborar estratégias para um manejo sustentável
nas áreas prioritárias para a espécie.
A bióloga Camila Domit, membro da Rede de Especialistas
em Conservação da Natureza, que se dedica ao estudo dos golfinhos há quase
20 anos, coordena o projeto em região que compreende os estados de São Paulo,
Paraná e Santa Catarina, onde a ocorrência da espécie sobrepõe áreas de intensa
atividade humana. O protagonismo feminino é uma das marcas do projeto iniciado
em dezembro de 2018, o qual reúne uma coalizão de 12 entidades, sendo sete
representadas no projeto por mulheres. Além disso, consultoras técnicas e
monitoras compõe a maioria da equipe técnica e realizam pesquisas e ações
presenciais com comunidades de pescadores. Entre as quase 30 pessoas envolvidas
no projeto, 19 são mulheres. Entre estas pesquisadoras, cientistas engajadas,
três deram à luz ao longo da execução do projeto.
Neste Dia Internacional das Mulheres, a coordenadora
do projeto enxerga, inclusive, um paralelo entre a condição feminina e as
toninhas. “Ambas precisam ser mais reconhecidas e valorizadas; precisam
encontrar seu espaço na sociedade. Necessitam de proteção e de apoio para
cuidar de seus filhos, para que possam viver sem ameaças”, compara a cientista.
“É muito bonito ver o envolvimento de todas as mulheres, que
muitas vezes trazem os filhos para reuniões e ações em campo. As reuniões viram
encontros familiares. E essa energia é bastante necessária, porque a toninha
está criticamente ameaçada e demanda de nosso esforço coletivo. Infelizmente,
corremos o risco de vê-la ser extinta já na nossa geração”, alerta Camila. “Ver
o comprometimento de todas as pessoas que trabalham comigo nesse projeto,
pesquisadores, pescadores, gestores, consultores, monitores, é muito
importante, porque é o único caminho para proteger a espécie de forma efetiva”,
ressalta a pesquisadora.
Realizado por quatro mulheres, uma das ações realizada em
campo com os pescadores foi um dos pontos marcantes do projeto até aqui. Uma
das consultoras, inclusive, realizou as visitas acompanhada por sua família,
pois tinha um bebê de seis meses. Nesta ação foram realizadas conversas com
pescadores e outras pessoas envolvidas nesta atividade em 55 municípios, ainda
antes da pandemia, em 2019, envolvendo a compreensão sobre a legislação de
pesca e seus conflitos; questões sociais, econômicas e familiares; indicadores
escolares, de acesso à saúde e outros serviços públicos.
Como a toninha não tem valor comercial, as pesquisas
demonstram que a pesca do pequeno golfinho é, realmente, acidental,
sensibilizando inclusive os pescadores que executam sua atividade econômica,
mas também são amantes do mar e sua fauna. “Os pescadores têm preocupação com a
toninha, ficam tristes quando capturam uma delas em suas redes, mas também têm
a demanda social e econômica relacionada a sobrevivência destas comunidades
pesqueiras”, pondera Camila.
Vidas ameaçadas
Conhecida fora do Brasil como franciscana, a toninha é
considerada vulnerável pela União Internacional para a Conservação da Natureza
(UICN). Em 2016, a International Whaling Commission (IWC), a Comissão Baleeira
Internacional (CIB), adotou um plano de conservação e manejo para a espécie,
contando com a adesão dos governos dos três países onde as toninhas são
encontradas. Estima-se que restam menos de 50 mil indivíduos da espécie
atualmente no mundo. As mortes anuais não têm estimativas confiáveis, mas para
a região de São Paulo, Paraná e Santa Catarina, onde a população é estimada em
menos de 10 mil, mais de 600 animais são encontrados mortos encalhados em praia
por ano, números que demonstram a gravidade da situação.
Camila
pontua que a extinção de uma espécie é sempre uma perda inestimável para o
ecossistema e mesmo para a manutenção dos serviços que o ambiente presta ao
planeta. Sendo assim, é um grande alerta para que possamos rever nossas ações.
“Estamos diante da perda de uma das espécies mais antigas de golfinho, e isso
terá graves consequências para a regulação da cadeia alimentar. As toninhas
exercem papel importante na corregulação da oferta de peixes com os animais que
são topo de cadeia na região costeira”, esclarece.
A toninha é uma espécie sentinela ambiental, um animal que
nos mostra a qualidade do ecossistema. Ela se alimenta de peixes e frutos do
mar, alguns inclusive de interesse econômico, como a sardinha e a manjuba.
“Então, saber da saúde dela é saber da nossa saúde. E mais do que isso, ela é
um predador de peixes e lulas, e tirar um predador sempre causa um efeito que
provoca a desestruturação da cadeia alimentar”, explica. “Se sumir a
toninha, ela não vai sumir sozinha”, enfatiza.
Pequena e tímida, a toninha não gosta da aproximação de
embarcações a motor. Portanto, é muito raro observá-la viva, tanto por causa de
seu comportamento quanto por sua coloração amarelada. Vivem em grupos pequenos,
de 2 a 30 animais, em profundidade de até 30 metros, sempre próximas da costa,
ocorrendo no máximo entre 45 e 55 quilômetros das praias.
Após
a conclusão dos estudos e mapeamento sobre os hábitos e localização dos
animais, podem surgir novas recomendações sobre o uso de redes específicas e
novas tecnologias que reduzam os riscos de captura acidental. “Pesquisas como
essa trazem dados importantes para que sejam desenvolvidas ações e políticas
públicas efetivas, que contribuam com a conservação da espécie e também levem
em conta a realidade socioeconômica de populações locais”, afirma Leide
Takahashi, também membro da RECN e gerente de Conservação da Natureza da
Fundação Grupo Boticário, instituição representante da sociedade civil na
Década do Oceano no Brasil.
“Não
queremos acabar com a pesca e nem deixar a toninha morrer sem fazer nada.
Então, como vamos construir esse meio termo? Queremos elaborar soluções junto
com a comunidade, levando em consideração aspectos sociais, econômicos e
ambientais”, explica Camila, ressaltando que a ameaça aos golfinhos é reflexo
de um problema maior, que pode comprometer todo o ecossistema marinho.
“Conseguimos identificar alterações provocadas por produtos agrícolas e
industriais que chegam no mar através dos rios. A ameaça às toninhas é um
sinal de como precisamos cuidar melhor dos recursos pesqueiros e da saúde
humana”, pondera.
A coordenadora do projeto acrescenta que olhar para a
sobrevivência da toninha é direcionar esforços para a manutenção de um oceano
limpo, saudável, resiliente e explorado de maneira sustentável. “Estes desafios
estão elencados para a Década do Oceano (2021 – 2030), iniciativa da Unesco
para promover os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a Ciência
Oceânica”, conclui Camila.
Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN)
www.fundacaogrupoboticario.org.br
Fundação Grupo Boticário