O Banco Central do Brasil anunciou o mercado com o lançamento do
Sistema de Pagamentos Instantâneos, SPI, e do arranjo de pagamentos PIX, que
serão disponibilizados ao público a partir de 16 de novembro de 2020. O PIX
permitirá que usuários de contas de pagamento ou contas de depósito à vista
efetuem transações ou pagamentos, 24 horas ao dia, sete dias por semana, de
forma instantânea e com baixo custo. O novo modelo de pagamento é mais um marco
importante no processo de modernização do setor, que vem sendo bombardeado com
novas regras relevantes, todas com potencial de promover a redução dos custos
da cadeia de pagamentos, o aumento da competição e a ampliação do acesso aos
serviços financeiros por parte dos desbancarizados.
A implementação do PIX pelo Banco Central se baseia em alguns princípios gerais
ou pilares estruturais que visam assegurar que essa nova modalidade de
pagamentos atinja seus objetivos e, principalmente, que “caia nas graças” da
sociedade brasileira. Podemos destacar dentre estes princípios: (i) a
disponibilidade contínua; (ii) a velocidade das transações ou pagamentos; (iii)
segurança das transações; e (iv) o caráter aberto. Este último princípio tem
como pano de fundo o objetivo de viabilizar uma estrutura flexível e
não-discriminatória, que possa atrair a participação do maior número de players possível,
independentemente de possuírem licenças regulatórias específicas. A ideia é que
essas empresas possam oferecer aos seus usuários os benefícios dos pagamentos
instantâneos atendendo a requisitos regulatórios mais simples, o que não
significa, porém, que o Banco Central abrirá mão da segurança e confiabilidade
do sistema.
Refletindo os princípios acima mencionados, o Banco Central estabeleceu, por
meio da Resolução BCB n° 1, de agosto de 2020 o arranjo de pagamento PIX, além
de aprovar seu regulamento. Em linhas gerais, este regulamento impõe as
obrigações e requisitos para que uma instituição ingresse como participante
direto ou indireto do PIX. As modalidades de participação possuem como
diferença principal o acesso ao Sistema de Pagamentos Instantâneos e a
consequente liquidação das transações iniciadas por esse arranjo.
O BC determinou que as instituições financeiras e instituições de
pagamento reguladas que detenham mais de 500 mil contas ativas deverão obrigatoriamente
se tornar participantes diretos do SPI. As instituições de pagamento reguladas
que não atingirem esse volume de contas ativas poderão optar por participar
direta ou indiretamente do SPI. Os bancos comerciais, bancos múltiplos com
carteira comercial e caixa econômicas deverão participar do SPI sempre
diretamente. Tais medidas do BC visam garantir um amplo acesso ao PIX por parte
do consumidor brasileiro. Os participantes diretos poderão acessar o SPI de
maneira independente, podendo ainda ser titulares de Conta de Pagamento
Instantânea (Conta PI). Por meio da Conta PI o participante direto poderá
realizar diretamente a liquidação das operações diretamente no SPI.
Já as demais instituições não autorizadas a funcionar pelo Banco Central
poderão aderir ao PIX como participantes indiretos, podendo oferecer o PIX aos
seus clientes se valendo do acesso ao SPI por meio de um participante direto.
Para viabilizar esse acesso, os participantes indiretos deverão celebrar um
contrato com o participante direto do PIX. É essencial destacar que o
participante indireto é quem irá deter as contas transacionais dos usuários que
desejam usar o PIX, se valendo do participante direto apenas para acessar o SPI
e liquidar as operações iniciadas por seus usuários.
Requisitos e Obrigações Regulatórias para se tornar Participante
Indireto do PIX
Embora a adoção e oferta do PIX sejam facultativas para as instituições não reguladas
pelo Banco Central, a principal dúvida atual destas instituições é justamente
quanto ao procedimento a ser adotado perante o Banco Central para que
participem do PIX e ofereçam o serviço de pagamentos instantâneos aos seus
clientes. Como foi mencionado acima, as instituições não autorizadas a
funcionar pelo Banco Central poderão atuar como participantes indiretos do PIX,
mediante requerimento de autorização específico. Para encaminhar o requerimento
solicitando autorização para aderir ao PIX nessa modalidade, a instituição
requerente deve cumprir com certos requisitos mínimos e estar ciente das
consequências regulatórias de oferecer este serviço de pagamento.
Nos termos do regulamento do PIX, para se tornar um participante indireto, é
necessário que a instituição não autorizada a funcionar atenda os seguintes
requisitos e obrigações: (i) agir conforme as regras, condições e procedimentos
do Regulamento do PIX; (ii) celebrar contrato com um participante direto, nos
termos do Regulamento do PIX; (iii) comprovar a integralização e a manutenção
de, no mínimo, R$1.000.000,00 de capital; (iv) possuir capacidade técnica e
operacional para cumprir os deveres e as obrigações previstos no Regulamento do
PIX; e (v) obter aprovação do BC quanto ao cumprimento das etapas cadastral e
homologatória do processo de adesão.
Com relação aos itens (i) e (iv) acima, é necessário salientar que o Banco
Central entendeu que o PIX oferece um risco sistêmico de liquidez às
instituições que dele venham a participar, tendo em vista sua característica de
disponibilidade 24/7. Dessa forma, o Banco Central decidiu considerar os
participantes indiretos do PIX como integrantes do Sistema de Pagamentos
Brasileiro, SPB. Essa qualificação pode, por um lado, ser usada no
aperfeiçoamento dos serviços de pagamento das FinTechs, mas por outro
lado, gera um aumento significativo das obrigações regulatórias (regulatory burden) para
essas empresas, conforme detalharemos abaixo.
O Banco Central entende que as instituições integrantes do SPB, ainda que não
autorizadas a funcionar como ente regulado, devem cumprir com certas obrigações
regulatórias mínimas, tais como: (i) possuir uma estrutura de gerenciamento de
riscos operacionais e de liquidez (Circular BCB n° 3.681/13); (ii) possuir
política de segurança cibernética, plano de ação e de resposta a incidentes,
contratação de serviços de processamento e armazenamento de dados e de
computação em nuvem (Circular BCB nº 3.909/18); (iii) possuir política,
procedimentos e controles internos visando à prevenção a lavagem de dinheiro e
financiamento do terrorismo (Circular BCB nº 3.461/09, sendo que a partir de
sua revogação, será necessário cumprir com a Circular BCB nº 3.978/20); e (iv)
cumprir com os procedimentos para a execução das medidas determinadas pela Lei
nº 13.810/19, que dispõe sobre o cumprimento de sanções impostas por resoluções
do Conselho de Segurança das Nações Unidas, incluindo a indisponibilidade de
ativos de pessoas naturais e jurídicas e de entidades, e a designação nacional
de pessoas investigadas ou acusadas de terrorismo, de seu financiamento ou de
atos a ele correlacionados (Circular nº 3.942/19)..
A obrigatoriedade de adesão ao SPB e, consequentemente, de atendimento a esses
requisitos configuram, em certa medida, uma barreira de entrada às FinTechs interessadas em
participar do PIX, uma vez que muitas delas não possuem recursos financeiros e
operacionais suficientes. Dessa forma, é necessário que a instituição não
autorizada a funcionar pelo Banco Central que deseja aderir ao PIX avalie com
cuidado sua capacidade de se adequar a estes requisitos, já que passará a estar
sujeita a um certo nível de supervisão por parte do Banco Central em razão
dessa integração obrigatória ao SPB.
O PIX e o Diretório de Identificadores de Contas Transacionais, o
DICT
Outro tema relevante envolvendo o PIX diz respeito ao Diretório de
Identificadores de Contas Transacionais (DICT) criado pelo Banco Central, que
possibilita à instituição participante obter informações sobre o usuário
recebedor de transferências via PIX e sobre sua correspondente conta
transacional. O DICT tem por finalidade a facilitação do processo de iniciação
de transações de pagamento pelos usuários pagadores e a possibilidade de
mitigar o risco de fraude nos pagamentos instantâneos, sendo este o principal
desafio dos Bancos Centrais e entidades reguladoras ao redor do mundo ao
implementar pagamentos instantâneos.
O DICT viabiliza o funcionamento das chaves de acesso ao PIX, que serão uma das
duas formas de iniciação de um pagamento instantâneo por meio do arranjo de
pagamento PIX. As chaves de acesso PIX são umas das principais novidades dessa
forma de pagamento devido à grande praticidade que oferece às instituições e
aos usuários. Como o DICT conterá todas as informações dos usuários finais, não
haverá a necessidade de preencher múltiplas informações sobre o usuário que irá
receber a transação. Bastará informar o número da chave PIX à instituição que
está oferecendo o serviço de pagamento instantâneo e todas as informações
necessárias sobre a conta do usuário final irão ser preenchidas
automaticamente. As chaves PIX poderão ser números de telefone, endereço de
e-mail, número do Cadastro Pessoa Física (CPF/ME), número do Cadastro Nacional
de Pessoas Jurídicas (CNPJ/ME) ou outras chaves aleatórias, como QR Code. Tais chaves de
acesso começarão a ser cadastras no DICT por pessoas físicas e jurídicas a
partir do dia 05/10/2020.
A solicitação para acessar o DICT ocorre no mesmo momento em que se deve
solicitar autorização ao Banco Central para aderir ao PIX. No momento do
requerimento é necessário informar se a instituição deseja acessar o DICT
diretamente ou indiretamente, sendo que haverá um processo de testes formais de
homologação para as instituições que requereram ao Banco Central o acesso
direto ao DICT. Cumpre ressaltar que para acessar o DICT basta que a
instituição possua acesso à Rede do Sistema Financeiro Nacional (RSFN), seja
por meio de Provedores de Serviços de Tecnologia da Informação (PSTI) ou via
contratação de circuitos das operadoras de telecomunicação independentes.
A primeira janela para requerer acesso ao PIX ocorreu entre 09/04/2020 e 01/06/2020,
durante a qual deveria ser enviado, pelas instituições não autorizadas a
funcionar, um requerimento ao Banco Central por meio de e-mail, informando as
formas de acesso ao DICT e modalidade de participação do PIX. Tais instituições
que requereram autorização para atuar como participante indireto do PIX
receberão resposta do Banco Central até o dia 16/10/2020. Tais instituições
poderão oferecer o PIX com exclusividade aos seus clientes e acessar o DICT
durante o período de operação restrito, entre os dias 03/11/2020 e 15/11/2020
no caso do PIX e entre 05/10/2020 até o dia 15/11/2020 no caso do DICT. Para as
instituições que não solicitaram ao Banco Central a adesão ao PIX e ao DICT no
prazo estipulado acima, o Banco Central já informou que a próxima data para
solicitar autorização para aderir ao PIX ou ao DICT será a partir do dia
01/12/2020.
João Fernando Nascimento - sócio do CSMV Advogados responsável
pela área de Direito Bancário e FinTechs. O advogado assessora diversas
entidades em temas regulatórios relevantes envolvendo meios de pagamento e
produtos financeiros. Com ampla experiência no setor bancário, foi novamente
reconhecido pelo Who's Who Legal, dessa vez como um dos maiores especialistas
em FinTechs da América Latina, ocupando posição de destaque no seleto grupo de
Global Elite Thought Leaders (2020). Também atuou como international associate
no escritório Hughes Hubbard & Reed LLP em Miami e possui o título de LL.M.
pela Universidade da Califórnia - Berkeley.
Gabriel Benevenuto
Libanori - integra a equipe de Direito Bancário e Direito Empresarial do CSMV
Advogados. É estudante de Direito da PUC-SP.