Pesquisa
TIC Kids Online Brasil 2023, aponta que 25 milhões de jovens entre 9 e 17 anos
usam a internet
Os impactos da tecnologia na saúde mental das
crianças têm se tornado cada vez mais relevantes. Recentemente, o presidente
Lula sancionou a Lei 15.100/25 que proíbe o uso de celulares em escolas desde a
educação infantil até o ensino médio, tanto na rede pública como na particular.
Com isso, para além da proibição em escolas, é importante compreender que o
cuidado para com a saúde mental das crianças e adolescentes precisa estar
presente dentro de casa também.
De acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil
2023, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, cerca de 25 milhões
de crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos eram usuários de internet em 2023
no país. Na relação entre jovens e internet, há o uso de redes sociais e com
isso, os feeds infinitos causam um impacto considerável na saúde desse
público.
“Os feeds infinitos são projetados para estimular a
hiperconectividade e, no caso de jovens, portanto, devemos observar se a
relação com o meio virtual dilui a experiência de privacidade e solitude,
necessárias na formação da identidade. Então, quando a busca do adolescente por
se conhecer e ser reconhecido se resume a postar e compartilhar, a dependência
do mundo digital não é a raiz do problema e sim um sintoma de uma busca
emocional para pertencer”, explica Marcos Torati, psicólogo e mestre em
Psicologia Clínica pela PUC-SP.
Segundo o especialista, a ausência de pausas nos
feeds infinitos pode reforçar a tendência à instantaneidade, dificultando o
manejo da capacidade de espera, o que se conecta com o conceito de FOMO (“Fear
of Missing Out”), o medo de não conseguir acompanhar as atualizações dos
eventos. Além disso, o excesso de estímulos e conteúdos apresentados em alta
velocidade pode banalizar as experiências, reduzindo a capacidade de atenção e
a qualidade do tempo na plataforma.
"Redes sociais assim combinam conteúdos personalizados,
autoplay e recompensas imprevisíveis para manter a atenção dos usuários. A
combinação de repetição automática e busca obsessiva pode provocar no indivíduo
um estado alterado de consciência, comparável à hipnose, pois o foco intenso,
aliado ao relaxamento psicológico, favorece a alienação do mundo exterior. Essa
desconexão resulta em procrastinação e perda de noção corporal e do tempo
social", comenta ele.
Como pais e responsáveis podem
saber se há algo errado com os filhos?
É preciso estar atento ao comportamento dos jovens
e buscar orientá-los sobre os riscos do uso excessivo de redes sociais e das
interações com desconhecidos. Mas, para que a proibição e o diálogo sejam
significados como expressões de cuidado, os pais devem avaliar se eles próprios
são presentes e se representam figuras de confiança.
"Os pais devem observar se o uso das redes
agravou ou produziu mudanças nos padrões comportamentais dos filhos, como novos
vocabulários, respostas agressivas diante das frustrações, perturbações na
concentração ou hiperfoco, distúrbios no processo de aprendizagem,
procrastinação, obesidade, insônia; tendinites, dores posturais, isolamento
social, etc. Por vezes, a intoxicação eletrônica apresenta sintomas semelhantes
aos do Transtorno do Espectro Autista (TEA), o que pode levar pais e
profissionais a erros de diagnóstico e prejudicar o tratamento
apropriado.", exemplifica Torati.
O psicólogo ainda aponta que as crianças se sentem
seguras emocionalmente com a previsibilidade e estabilidade do ambiente, por
isso a rotina é algo importante, como vemos no ato de assistir o mesmo
programa, ouvir as mesmas músicas e realizar as mesmas brincadeiras. No
mais, é preciso avaliar se a hiperestimulação inerente ao mundo digital produz
desconexões em relação ao prazer de brincar, de interagir com as pessoas
físicas e de existir no mundo real.
Segundo ele, desse modo, quando ele encontra um
aparelho eletrônico que repete infinitamente o que ela deseja, a criança pode
entrar em estado anestesiamento mental por alguns períodos, o que a longo prazo
traz prejuízos.
"Quando toda essa hiperestimulação se torna
habitual no contexto da criança e do adolescente eles se distanciam de três
experiências importantes no processo de desenvolvimento: o contato com a
sensação de vazio, o tédio e surgimento do ócio criativo. Pois, é na ausência
do outro e dos estímulos externos que a criança e o jovem podem descobrir a
importância da capacidade de estar só e o valor da solitude, explorando a
capacidade de se entreter consigo e com a companhia dos próprios
pensamentos", reforça ele.
A hiperconectividade não deve ser encarada como uma
característica exclusiva da juventude moderna, mas também um sintoma
contemporâneo que pode denunciar como as famílias modernas adotaram os
aparelhos eletrônicos como um novo membro familiar, um elemento forjado para
aliviar tensões e substituir as funções dos cuidados parentais. De acordo com
Torati, as “chupetas” eletrônicas ou digitais podem servir tanto para os filhos
quanto para os pais.
"Ao evidenciarmos as figuras parentais como
possíveis agentes dos vícios infantis, certos detalhes aparecem. Por exemplo,
um smartphone pode ser entregue nas mãos de uma criança pela dificuldade dos
pais em lidar com choros e frustrações. Em outros casos, esses pais têm medo de
dizer ‘não’, enquanto em alguns lares, é construído um pacto inconsciente em
torno do gozo, de modo que os pais não pensam em proibir o acesso dos
dispositivos porque eles próprios são vítimas das intoxicações eletrônicas e
não desejam perder e nem exigir esse direito", finaliza o psicólogo.
Marcos Torati - Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, com especialização em psicanálise (abordagem winnicottiana) e psicoterapia focal. É supervisor de atendimento clínico e professor e coordenador de cursos de pós-graduação em Psicologia e Psicanálise.
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