Ao contrário do jargão
popular do mundo futebolístico, a regra não é clara. Comumente no mundo
jurídico nos deparamos com situações em que a “regra” a ser aplicada no caso em
concreto não é óbvia. Não bastasse a atividade hermenêutica de ter que se
retirar do texto legal a norma que o legislador buscou aplicar, ou o próprio
constituinte, quando estamos nesse nível de análise legal existe a necessidade
de conformação das normas diante do caso em concreto, mesmo quando se aparenta
haver um conflito entre elas.
Quando tais conflitos se
encontram na esfera constitucional, na estrutura judiciária brasileira compete
ao Supremo Tribunal Federal (STF) dar a última palavra. Recentemente, o próprio
STF se viu diante da análise do seguinte aparente conflito de normas: a
transitoriedade (ou até mesmo precariedade) dos contratos temporários de
agentes públicos e o direito à licença-maternidade e estabilidade da gestante.
O artigo 37 da
Constituição Federal estabelece em seus incisos:
Art. 37
(...)
II - a investidura em
cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de
provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do
cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para
cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
(...)
IX - a lei estabelecerá
os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público;
As hipóteses
apresentadas nos incisos II e IX do artigo 37 da Constituição são as exceções
ao princípio do concurso público. Na primeira hipótese, o cargo em comissão é dotado
da chamada precariedade, que é possibilidade da livre nomeação e da livre
exoneração do agente público, sem necessidade de motivação vinculada.
Já a segunda hipótese,
no caso de contratação por tempo determinado por necessidade excepcional de
interesse público, conforme o nome já anuncia, possui natureza transitória com
temporalidade pré-definida.
Pelas próprias características
dos vínculos há que se conceber que não se aplica a essas espécies de agentes
públicos todas as garantias previstas aos servidores públicos (em sentido
estrito) e aos empregados públicos, a mais marcante delas, a estabilidade do
artigo 41 da Constituição Federal.
Neste cenário erigiu-se
ao Supremo Tribunal Federal o debate acerca do direito à licença maternidade e
a estabilidade provisória de servidora contratada nessas hipóteses (cargo em
comissão ou contrato temporário).
O aparente conflito aqui
posto cingia-se na situação em que, se o servidor com cargo em comissão pode
ser exonerado a qualquer momento, não há que se falar em manutenção do vínculo
em caso de gravidez, haja vista que não há necessidade de motivação para
exoneração deste servidor. De igual modo, o trabalhador temporário, ao iniciar
seu vínculo com o poder público já possui ciência de quando iria se desligar,
de modo que mantê-lo após findo o vínculo pré-definido do contrato poderia
ferir a legalidade prevista no caput do art. 37 da Constituição Federal.
Diante deste imbróglio o
Supremo Tribunal Federal em decisão histórica, através do Tema 542, definiu a
seguinte tese:
“A trabalhadora gestante
tem direito ao gozo de licença maternidade e à estabilidade provisória,
independentemente do regime jurídico aplicado, se contratual ou administrativo,
ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado”.
No caso concreto,
corretamente ao nosso ver, a Suprema Corte decidiu pela prevalência do direito
à proteção à maternidade e à primeira infância previsto nos artigos 6º, 226 e
227, à temporalidade do vínculo de trabalhadores. Entendeu Ministro Luiz Fux,
relator do caso acompanhando por unanimidade por seus pares, que a garantia ao
pleno trabalho da mulher é protegido pela Constituição Federal,
independentemente do vínculo que ela o tenha com a Administração Pública, pois,
neste caso, é fundamental para o desenvolvimento infantil que a criança esteja
acompanhada pela mãe, que, por sua vez, para ter uma plena recuperação física e
mental no pós-parto, é fundamental que lhe seja garantido seus direitos sociais
constitucionalmente consagrados.
Neste cenário, fundamental decisão do Supremo para garantia da figura feminina no mercado de trabalho, mesmo àquelas com vinculação temporária com o próprio Estado que deve ser, de fato, o primeiro a se preocupar com a garantia dos direitos sociais dos trabalhadores.
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